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Abraham Palatnik

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Abraham Palatnik

Abraham Palatnik

1928 - Natal, Rio Grande do Norte | Brasil.

2020 - Rio de Janeiro | Brasil.

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Palatnik foi um artista brasileiro pioneiro da arte cinética, reconhecido internacionalmente por suas inovações no campo da luz e movimento. Após estudar física, mecânica e arte em Tel Aviv, retornou ao Brasil em 1948, radicando-se no Rio de Janeiro, onde se associou ao Grupo Frente, ao lado de figuras como Lygia Clark e Ivan Serpa.

Em 1951, apresentou seu inovador Aparelho Cinecromático na 1ª Bienal Internacional de São Paulo, recebendo menção honrosa. A partir de 1964, desenvolveu os Objetos Cinéticos, incorporando o movimento como elemento central de sua obra. Ao longo de sua carreira de 70 anos, participou de importantes exposições no Brasil e no exterior, consolidando seu nome como referência da arte contemporânea.

Palatnik expôs em diversas Bienais, como as de São Paulo e do Mercosul, e em prestigiadas instituições internacionais, incluindo o Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA) e o Museu Reina Sofia, em Madrid. Recebeu prêmios importantes como o Prêmio Clarival do Prado Valladares e o Prêmio Lifetime Achievement da Revista Leonardo. Suas obras, que exploram rigor matemático e inovação tecnológica, fazem parte de importantes coleções no Brasil e no mundo, destacando sua contribuição única para a arte cinética.

  • Histórias e estórias da cor Guilherme Bueno

    A arte, desde a modernidade, incorporou definitivamente para si a idéia de se constituir como pesquisa. Tal consideração deve, acima de tudo, ser vista como a busca persistente por novas maneiras de um pensar visual sistemático, algo que não só impulsiona o surgimento de outras linguagens (exemplificado pela relação inventiva com novas tecnologias) como também é capaz de formular novas perguntas sobre termos quelhe  pareceram desde sempre ser característicos – a cor, a forma, o suporte, etc. Ao contrário de representar uma solução conciliatória de compromisso, o reconhecimento de tais variantes expõe antes a abrangência de caminhos que configuram a arte contemporânea.

     

    Abraham Palatnik historicamente tem se valido desta riqueza de possibilidades. Hoje é mais do que reconhecido seu pioneirismo na década de 1950 com os cinecromáticos e depois com os cinéticos que traziam à tona uma nova abertura para o problema da cor e do movimento no espaço que ocupara toda a primeira metade do século XX. Ao mesmo tempo o artista desde então se concentra igualmente em verificar tais qualidades no campo da pintura, buscando ativar naquela superfície equivalentes dos movimentos físicos efetuados por seus objetos.

     

    A exposição de Palatnik na Anita Schwartz Galeria de Arte oferece um repertório desta investigação, um experimento no qual todas as variáveis sempre são testadas, mas, diferente de um método estritamente científico, ao invés de procurar uma resposta, prefere lançar várias delas, todas igualmente verdadeiras – acrescente-se que é esta diversidade que lhe confere sua irrefutável pertinência. Ali são vistos cinco vertentes de seu trabalho: as pinturas, os cinéticos, monocromáticos em papel, serigrafias e seus mais recentes objetos, uma espécie de prisma pictórico. Entre eles podemos ver as relações internas entre uns e outros que perfazem sua obra.

     

    Dentre elas, destaca-se o elo entre espacialidade e cor, constantemente interessado em faze-las, muito além de vibrar, fundar uma temporalidade da forma, isto é, coloca-las em ação, pô-las em movimento pelo deslocamento efetivo das partes (como nos cinéticos, em que, cada rotação das formas, que sempre ritmadas – ao invés de se mexerem sozinhas – criam a cada circunvolução nova trama compositiva e de interação cromática), pela reconfiguração do suporte (nos trabalhos em papel, em que os cortes meticulosos criam planos que avançam e retrocedem, atestando a obtenção peculiar de um movimento estático), pela intensidade da cor (nas pinturas, que, formadas pela colagem lado a lado de pequenas tiras transplantam para o quadro uma dinâmica ótica que nos outros casos era obtida por uma espacialização literal). Enquanto nos cinéticos prevalece uma recombinação estrutural permanente – já que a cada instante os elementos intercambiam sua função no campo –, nas pinturas a luminosidade é pautada via de regra por uma cor predominante que faz as demais emergirem ou fundirem-se conforme seus contrastes e harmonias. Neste sentido, as passagens entre amarelos e vermelhos, entre azuis mais claros ou escuros, entre brancos e rosados constrói um tempo visual entre os planos, agitando-os pela disposição ritmada dos feixes.

     

    No mesmo viés podemos analisar as serigrafias e o objeto. No primeiro caso, trata-se de uma questão de correspondências. Baseadas em pinturas mais antigas do artista, as serigrafias indicam como uma cor pictórica converte-se em uma cor gráfica, como ela, impressa, intenta transferir uma luminosidade e textura outrora obtida eventualmente com uma pintura jateada (e, acrescente-se, como ambas indicam uma aproximação com uma cor já industrial). O objeto, por sua vez, representa um novo viés cogitado por Palatnik. Podemos vê-lo como uma espécie de síntese das suas outras experiências: a pintura ganha uma volumetria familiar aos sólidos antes desenhados virtualmente pela rotação dos planos componentes dos cinéticos. As protuberâncias e relevos que desenhavam os cartões – e faziam com que se promovesse uma continuidade entre suporte e as formas que o ocupavam – adquirem concisão, de modo a coincidir os espaços internos e a exterioridade do objeto (não há mais formas dentro do limite do cartão, elas são a própria coisa). Mais além, convergem a percepção dinâmica dos cinéticos e aquela ótica das pinturas, posto que as cores seguem todas as faces do prisma, “rotacionadas” e fixas a um só tempo. Seria o caso de notar como elas lidam de maneira bastante particular com espectador ativo presente na arte contemporânea, quando diante deste tipo único de pintura/objeto.

     

    Ao mostrar-se disponível a conjugar e/ou examinar paralelamente hipóteses de experiência da forma, a obra de Palatnik formula uma ciência estética da visão – uma ciência, porém, que ultrapassa o antagonismo entre pensamento racionalista e intuição sensível, trabalhando-os antes sua simbiose e a convicção de revigorar a percepção. Ela reitera uma relação com um mundo crescentemente envolvido pela tecnologia conservando, porém, um humanismo não-nostálgico, e sim entusiástico, persistente, renovado obra a obra.

     

     

  • Moving Paintings Felipe Scovino

    In a recent interview to the author,[1] Palatnik stated that he was essentially a painter. One of the most important question of his work arises: proposing to viewers that they are standing before a painting without emptying the idea of sculpture, especially in the case of Aparelhos Cinecromáticos [Kinechromatic Devices] (produced from 1951) and Objetos Cinéticos [Kinetic Objects] (produced from 1964), His work exists near the limit, on a fine line between those two supports.

     

    Limits, transitions, and inventions are very typical and frequent circumstances to Palatnik's work. In 1948, when he returned to Brazil after living in Palestine for 15 years, one of his uncles gave him a room in an apartment in Botafogo, which he used as a studio. Probably due to his studies involving mechanics and physics, as well as art lessons (all in Palestine) and to his characteristic quality of inventor, Palatnik began to produce one of the most important works of kinetic art: Aparelho Cinecromático [Kinechromatic Device]. The first work of this series is the result of a technology varying between intuition and years of physics studies, made with ephemeral and cheap materials, with lamps articulated by motors controlled by a kind of CPU – which ran the timing and sequences of each light source of the work – all built by the artist himself. This work clearly reveals the directions he was going to take: even based on tridimensional shapes, he never ceased to think like a painter. Movement, dynamics and displacement of both object and spectator are at the core of his work, which does more than entertain us, it “hypnotises” us with the patterns formed in space and with the rhythm – almost like a dance –, particularly in his Objetos Cinéticos [Kinetic Objects], caused by the noises from internal mechanisms. The way he conjugates art, technology, and kinetics is very particular, because his work comes into existence through the organicity of the materials and a delicacy often bordering the unlikely, as is the case of his rosewood reliefs, in which the wood veins, arranged in filaments side by side, cause an effect of expansion and movement which makes a vibrating wave go beyond the limited space of the canvas or wood. Finally, his constructive will manifests itself in the Bauhasian desire to articulate art, society, and industry, which can be observed in armchairs, tables, pieces of furniture, games, and small animals made with acrylic and paint from the 1950s to the 1990s. Even while producing pieces of furniture, the artist never abandoned painting for, made of glass, it was used to decorate them. This was an important step toward his next series, when, in the 1960s he began to use rosewood and cardboard as materials for pictorial production. This inventive and experimental character is also present in the series of paintings with strings and acrylic paint made from the mid-1980s. The painting acquires slight volume which helps in the creation of an optical effect that achieves a balance between the “poor technology” of the string and a rigorous and perceptible research on kinetics, and the possibilities of expanding shapes and colours through a double movement (of lines and spectator). Often, there is perfect balance between highly dissonant colours. In one of the works of the series Permutáveis [Exchangeables], a pink and a green cores are integrated and combined with different modules of various shades of grey. Harmony and rhythm are achieved by the way these striking chromatic dissonances are softened.

     

    The second moment of one of his paradigms, which, no doubt, is intrinsically connected with Cinecromático [Kinechromatic], in the sense that it began his research on kinetics, is the invitation he got, still as a figurative painter, from Almir Mavignier to visit the Pedro II psychiatric hospital under the coordination of Dr. Nise da Silveira. He became acquainted with the production of the inmates and was impressed by the quality of the paintings, especially the works of Raphael Domingues and Emyglio de Barros, who produced very dense images without ever having studied at any art school:[2] “I thought I was a fully trained artist. I decided to start anew. School discipline, in a studio, now was absolutely useless.”[3] This was the moment when he abandoned figuration, but not painting.

     

    Another moment of transition happened when Palatnik went from his Objetos Cinéticos – which move following circuits, independently of the viewer's actions – to virtual participation, in which the body is a basic element in the understanding of the distinct chromatic, kinetic, and therefore physical qualities of the work. When standing in front of his reliefs and paintings, in order to know all their images or possible illusions – variations in framing and focus –, the viewer has to move a little. The work seems to expand and contract, for it generates virtual images that redimension the space around us. Apart from its specificities, the Aparelhos Cinecromáticos were created in a period in which painting was expanding its own limit and conception. If painting was going through new procedures for apprehension and communication by establishing intense dialogs with performance in the 1950s and 1960s, as was the case of Pollock's Dripping and Yves Klein's Anthropometries (1960) the expansion of the term “painting” in the work of Palatnik happened on the basis of constructive and technological ideas, but no less intense and important than the ones experienced by these two artists. On the other hand, we should not forget the formal connection of Cinecromáticos and Objetos Cinéticos to the field of sculpture, and how the Cinéticos seem to be the internal structure, the “skeleton,” of the Cinecromáticos. By alluding to that, I think that Palatnik distinguishes himself from the Op Art tradition and from European kinetic art, due to the way he constructs his works: always under the light of craftsmanship. His “technology” is formed by strings, lamps, screws, and in some cases even mechanical objects that he himself builds. This craftsmanship brings him closer to the series Contínuo-Luz (ca. 1963-66) by Julio Le Parc and to Penetrables (1967) by Soto, not only due to the use of less noble materials associated with kinetics research, but also because of the limited shapes with which this poetics is governed.

     

    This exhibition also presents works rarely seen by the public. From a golden Relevo [Relief], going through paintings produced in the 1990s in which thin layers of glue are applied vertically on the flat surface, forming modules of colour which create volume, a similar effect to what happens in the series Cordas [Ropes]. Regarding this series, there is a specific work that differs from the more well-known set due to its structure, more similar to “African”-influenced nature. In a set of three paintings from the 1960s, the same influence can be seen, with an even more totemic stress in the structure. It is interesting to notice how his research on kinetics and his personal interest in popular art helped him in the production of a series that diversifies the mediums of Constructivist painting.

     

    It is worth mentioning that Palatnik's work has an important place in the transition from Modern to Contemporary art in Brazil, within the scope of his research involving painting, technology, sculpture, and design. Despite the fact that he was at the centre of the discussion about the beginning and, years later, the maturity of geometric abstraction (also as a member of Grupo Frente), Palatnik always wanted to remain independent from any manifesto or “political” participation. He, Almir Mavignier, Mary Vieira, and Rubem Ludolf, among others, were artists who paved an important way for Brazilian art, particularly in their approaches to Op Art, kinetic art, and design, but who still deserve a more qualified study on the contributions they are still making, in the case of the first two. At the turn of the 1940s to the 1950s, in a quick panorama, Mário Pedrosa was defending his thesis “Da natureza afetiva da forma na obra de arte” [“On the affective nature of form in the work of art”]; Mary Vieira was creating her Polivolumes and Palatnik, building his first Aparelho Cinecromático; the São Paulo Art Biennial did not even exist. It is essential to highlight the pioneering spirit of these artists and, at the same time, the foundations for the modernity of the 1950s (that is, the maturity of geometric abstraction, which was, and still is, an important aesthetic thought for understanding the Brazilian visual arts, and the institutionalization of art through the inauguration of museums of modern art and the Biennial itself), but, essentially, the degree of invention of these artists, who have not only been important for national production, but also occupied a prominent place in the international scene, who alongside other South American artists, especially from Argentina and Venezuela, produced works of kinetic art as qualitative as any European or North American works made in the same period.

    [1]           PALATNIK, Abraham; SCOVINO, Felipe. Entrevista: Abraham Palatnik. In: SCOVINO, Felipe; TJABBES, Pieter. Abraham Palatnik: a reinvenção da pintura. Brasília: CCBB, 2013, p. 47.

    [2]           Palatnik affirms that Raphael studied at the art lyceum in his youth. Cf. SCOVINO, Felipe; TJABBES, Pieter. Abraham Palatnik: a reinvenção da pintura. Op. cit., p. 58.

    [3]           Interview to Época magazine in August 1999.

  • Roteiro cronológico das invenções de Abraham Palatnik Frederico Morais

    Aparelhos cinecromáticos

     

    Entre 1949 e 1950, constrói seus dois primeiros aparelhos cinecromáticos. Azul e roxo em primeiro movimento, exposto na I Bienal de São Paulo (1951), tinha 600 metros de fios elétricos, servindo a 101 lâmpadas de voltagens variadas, que movimentavam, em velocidades desiguais, alguns cilindros. Para o crítico Mário Pedrosa, que cunhou o termo cinecromático, era a primeira tentativa, no Brasil, de realizar a utopia artística de Moholy-Nagy, que consistiria na criação de “afrescos de luz destinados a animar edifícios ou paredes com o dinamismo plástico da luz, segundo a vontade e a inspiração criadora do artista”. Até 1983 Palatnik realizara 33 aparelhos cinecromáticos, expostos em sete edições da Bienal de São Paulo, entre 1951 e 1963, e nas bienais de Veneza (1964) e Aparelho cinecromático / Kinechromatic device, 1969 / 1986 -- madeira, metal, tecido sintético, lâmpadas e motor / wood, metal, synthetic fabric, lightbulbs, and motor -- 112,5 x 70,5 x 20,5 cm no que diz respeito ao binômio luz-movimento. O crítico Jürgen Morschel, comentando a exposição de Palatnik no Museu Saint Gallen, Suíça, em 1965, escreveu que ele “não executa objetos, encena acontecimentos”, definindo-o como um “regisseur”. Frank Popper, apresentando a mostra Kunst-Licht-Kunst, realizada em 1966 no Museu de Arte de Eindhoven, Holanda, refere-se aos “móbiles luminosos” de Palatnik, destacando a “veia poética” de suas pesquisas. No ano seguinte, confirmaria o pioneirismo de Palatnik no campo das pesquisas de luz e movimento, em quadro sinótico estampado no seu livro Naissance de l’Art Cinetique. Pierre Cabanne e Pierre Restany também reafirmaram, no livro L’Avant-Garde au XXe Siècle (1969), as antecipações de Palatnik tanto em relação aos “lumidynes” de Frank Malina, quanto às pesquisas de dinamismo espacial de Nicolas Schöffer. Tomás Maldonado, líder dos concretos-invencionistas argentinos, saudou seu colega brasileiro como “o mais importante precursor do último retorno à estética da luz e do movimento”. Mari Carmen Ramírez, curadora da monumental exposição Heterotopias – Medio Siglo Sin-Lugar 1918-1968, realizada no Museu Reina Sofía, Madri, em 2001, foi a última figura exemplar da crítica da arte a reafirmar o feito de Palatnik.

    Pinturas sobre vidro

    Em 1953, Palatnik participa da I Exposição Nacional de Arte Abstrata, no Hotel Quitandinha, em Petrópolis, com pinturas realizadas sobre vidro, associadas a incisões feitas com estiletes sobre matéria pintada. Feixes de linhas precisas, mesmo quando ondulantes, gravitam sobre a superfície ou se superpõem, numa sucessão horizontal de faixas, num caso e noutro sem afetar o caráter planar da obra. Ou como na obra Sequência com intervalos, de 1954, buscando um diálogo mais sensível entre cor e linha, criando profundidades insuspeitadas. Palatnik integrou algumas dessas pinturas sobre vidro à parte traseira de poltronas de jacarandá, espuma e tecido por ele projetadas e expostas em três das quatro mostras realizadas pelo Grupo Frente, em 1954 e 1955.

    Campos magnéticos

    Palatnik não integrou o Neoconcretismo, mas absorveu alguns de seus postulados, como a participação do espectador no desenvolvimento da obra criada pelo artista. Assim, aos aparelhos cinecromáticos seguiram-se, em 1959, alguns trabalhos nos quais explora as possibilidades estéticas dos campos magnéticos, que incluem, em alguns casos, a participação lúdica do espectador. Em um desses trabalhos, Mobilidade IV, bolinhas de madeira são movimentadas, silenciosamente acionadas por eletroímã.

     

    Quadrado perfeito

    Em 1962, Palatnik projetou e patenteou o jogo que ele denominou Quadrado perfeito, exposto pela primeira vez na Galeria Barcinski, no Rio de Janeiro, e, nove anos depois, na mostra Arte Programatta e Cinética, realizada em Milão. Trata-se de um jogo baseado no deslocamento de peças sobre um tabuleiro semelhante ao que se usa no xadrez. No entanto, dele difere na medida em que não existem peças a serem capturadas ou xeque-mate, tampouco uma posição inicial rígida. Seu jogo pede mais percepção que raciocínio. O jogo domina de ponta a ponta a obra de Abraham Palatnik, adquirindo formas variadas em função dos programas preestabelecidos. Nos aparelhos cinecromáticos, é o infindável fazer/ desfazer dos movimentos, o manchar/desmanchar das cores. Nos objetos cinéticos, um jogo de simetrias e assimetrias prolongando movimentos silenciosos. No objeto lúdico, o ganho do jogador é o resgate da forma geométrica original. No jogo acima comentado, o ganho é a percepção do quadrado perfeito. Um artista como Palatnik é a perfeita ilustração do homo ludens de que fala Huizinga.

    Relevos progressivos: madeira

    Ainda em 1962, deu início à primeira de uma série de “relevos progressivos”, cada uma delas identificada por uma matéria-prima. A primeira escolhida foi a madeira. Visitando uma marcenaria, Palatnik observou que os fragmentos de troncos de madeira espalhados pelo chão, abertos longitudinalmente, constituíam uma informação espontânea da natureza. A progressão de nós constitui um registro inevitável de situações de crescimento. Vale dizer, a própria natureza cria, no interior da madeira, padrões visuais: tonalidades, grafismos, manchas. Decide, então, disciplinar esteticamente essas formas ou padrões naturais, pretendendo, com isso, “atingir os sentidos do homem, ativando sua percepção”. Essa questão é retomada por Palatnik, em entrevista que me concedeu (“Palatnik, artista e inventor: A arte não deve transmitir mensagens, mas ter vida própria”, O Globo, 1981), na qual afirma: “Minha função como artista é disciplinar o caos em nível da informação. As informações no universo estão geralmente ocultas, disfarçadas em meio à desordem. É necessário um mecanismo de percepção e da intuição para que estas se manifestem. É a esta ‘surpresa’ que tenho colocado meu interesse. Inicia-se o processo de permuta e, por meio da tecnologia adequada, procuro disciplinar as informações”. Nos primeiros trabalhos, a preocupação dominante era enfatizar a ideia de progressão do ritmo horizontalondulatório que, cobrindo todo o plano bidimensional, sugere uma expansão virtual para além das bordas do quadro. Vieram, mais tarde, trabalhos nos quais a progressão é parcialmente substituída, ou melhor, ela surge acoplada à ideia de simetria, na medida em que as lâminas da madeira formam determinados núcleos ou áreas/manchas que se opõem simetricamente.

    Objetos cinéticos

    Palatnik constrói seus primeiros Objetos cinéticos, constituídos por hastes ou fios metálicos, tendo em suas extremidades discos de madeira, pintados de várias cores, e placas que se movimentam lenta e silenciosamente, acionados por motores e, em alguns casos, por eletroímãs. Neles só existe Sem título / Untitled, 1967 -- madeira jacarandá / jacarandá wood -- 41,5 x 30,5 cm movimento; os objetos cinéticos encontram-se mais próximos da escultura e do desenho; os aparelhos cinecromáticos, mais próximos da pintura e do cinema. Nos aparelhos, a engrenagem mecânica e elétrica é invisível, reforçando a sensação de animação pictórica. Nos objetos cinéticos, ela ganha visibilidade, integra o campo visual, indicando que Palatnik procura dar à própria mecânica uma dimensão estética. Nos aparelhos, a metamorfose contínua de formas e cores – dinamismo plástico – provoca efeitos de cinestesia. Nos objetos, o movimento provoca encantamento. Aparelhos e objetos são máquinas de criar arte e foram construídos com o mesmo rigor e espírito lógico, mas os primeiros sugerem maior ordenação e controle. Os objetos parecem mais espontâneos, como se, neles, o acaso interviesse. É certo que os objetos cinéticos se movimentam com a ajuda de motores ou eletroímãs, mas o espírito que os anima é o do móbile, que é também máquina, mas acionado por uma fonte de energia natural que lhe confere frescor, leveza e lirismo.

    Objeto lúdico

    Em 1965, Palatnik retoma a pesquisa com campos magnéticos, criando um objeto lúdico, que consiste na colocação sobre uma base circular, de vidro, de formas geométricas de cores diferentes, acionadas diretamente pelo espectador, através de um bastão magnetizado. Vale dizer, Palatnik usa os polos positivo e negativo dos ímãs para atrair ou repulsar as formas geométricas que constituem fragmentos de uma estrutura maior a ser armada pelo espectadorparticipante. Trata-se, no limite da interpretação, de um jogo.

    Relevos progressivos: papel cartonado

    A partir de 1968, Palatnik passa a empregar, na construção de seus relevos progressivos, o cartão dúplex. Mas, em vez de usar a superfície do papel, superpõe várias folhas, criando um aglomerado que, em seguida, é fatiado pelo topo. Nessa tarefa, emprega um mecanismo de facas duplas. Seus relevos, em diferentes profundidades, resultam em estruturas óticas, em cujos interstícios a luz perpassa, criando áreas mais ou menos iluminadas ou que parecem fechar-se ou abrir-se em função do próprio deslocamento do espectador. Palatnik explora, em seus relevos, o excesso e o fausto visual, evitando o vazio, como nas igrejas setecentistas do barroco universal. Emerge algo de sacral nesses relevos, e isso fica mais evidente quando substitui o cartão pelo metal dourado.

     

    Objeto rotativo

    Em 1975, Palatnik inventou o que chamou de Objeto rotativo – uma peça de resina de poliéster, medindo 12 x 2,5 x 0,8 centímetros, que, em função de uma pequena distorção num dos lados da parte inferior, inverte sua rotação. Impulsionada pelo usuário sobre uma superfície horizontal, lisa e dura, a peça, depois de um arranque no sentido horário, reage, fazendo o movimento contrário.

    Relevos progressivos: cordões

    Nas décadas subsequentes, Palatnik empregaria sucessivamente três novos materiais: nos anos 1970, a resina de poliéster; nos anos 1980, cordões sobre telas; nos anos 1990, um composto de gesso e cola. Com esta última, levada à tela com ajuda de uma bisnaga cujo bocal serve de pincel, inunda o espaço com um grafismo vibrátil e colorido, mas ainda de caráter progressivo. Nas progressões com resina de poliéster, explora, antes de tudo, a transparência do material. Em 1981, por ocasião da primeira exposição das progressões realizadas com cordas sobre telas pintadas com tinta acrílica, Palatnik dizia tratarse de “uma tentativa de organizar a superfície de uma maneira diferente dos procedimentos normais, introduzindo uma dinâmica através da cor”. Eu acrescentaria: uma dinâmica através da cor e da linha. Com efeito, alguns trabalhos da série estão compostos apenas de cordões cobertos pelo mesmo branco que serve de base às demais pinturas. E, fazendo uso apenas do branco, Palatnik reforça a estrutura linear que tensiona os ritmos ótico-cinéticos, que é a constante de toda sua obra. Contudo, diferentemente das progressões construídas com lâminas de jacarandá, que tendem a uma expansão horizontal, como se fossem um Muybridge abstrato, nas progressões com cordões, o impulso é para o alto, como se ele quisesse expressar, ao mesmo tempo, a sonoridade cromática do teclado luminoso de Scriabin e o ímpeto ascensional das colunas que crescem como florestas no interior das catedrais góticas.

     

    Pinturas a duco sobre cartão (1988)

    Sempre fugindo do pincel e dos pigmentos, Palatnik realizou, em 1988, uma série de dez pinturas a duco sobre cartão, que é, a seguir, colado sobre chapa de fibra de madeira. Essa tinta industrial já fora usada por alguns integrantes do Grupo Frente, como Ivan Serpa, porque ela atende melhor às exigências de uma pintura geométrica, de cores puras e lisas. Uma pintura não contaminada pela subjetividade do pintor. As dez croquis em suporte plastico com projetos de cinéticos / sketches on plastic ground of kinetic objects projects, 1967 -- lápis sobre papel / pencil on paper -- 21 x 22 cm Relevo progressivo / Progressive relief, 1982 -- cartão duplex e madeira / duplex paperboard and wood -- 45 x 43,5 cm da arte que se ocupa do tema por oposição à forma. Ora, um quadro é composto por duas realidades interligadas. Um suporte material e uma superfície que o pintor ocupa com figuras, paisagens, objetos ou formas. Ao longo dos séculos, apenas a superfície, enquanto receptáculo da imagem, foi motivo de valorização e de estudos. Eis que alguns artistas contemporâneos passaram a trabalhar no sentido da decomposição dos elementos materiais do quadro, o que determinou o que foi chamado de “ruína da imagem”, com a destruição do espaço ilusório. Em outras palavras, a intenção desses artistas era substituir a iconologia por uma materiologia. Ou, no dizer de Jean Clair, “o quadro desaparece como lugar pinturas da série, todas medindo 37,5 x 37,5 cm, foram reunidas em uma caixa de madeira, como se fora uma coleção ou museu portátil. Se as progressões são um momento de expansão barroca do artista, esta série pode ser vista como um interregno de pintura concreta.

    Cracol

    Em 1988 coordenei, a pedido da Secretaria de Turismo do Rio de Janeiro, um concurso fechado para a criação e implantação de uma escultura subaquática para o mar de Angra dos Reis. Convidei Abraham Palatnik a participar. Acostumado desde muito jovem a enfrentar os mais diferentes desafios, aceitou, com entusiasmo, o convite inusitado, projetando uma escultura que não deveria ser simplesmente mergulhada no mar, mas a proposta de um “encontro flutuante” do mergulhador com a obra. Acompanhando a própria dinâmica da escultura, o mergulhador percorrê-la-ia por dentro e por fora, extraindo do percurso uma vivência ao mesmo tempo sensorial e lúdica. A obra, que foi projetada para ser construída com chapas de aço naval, portanto, ecologicamente inócua, conviveria com a fauna e flora subaquáticas. Associando a forma geométrica em espiral de sua escultura ao caracol e à craca, que com o tempo iria fatalmente se colar à superfície da obra, Palatnik denominou-a Cracol. Nenhum dos cinco projetos apresentados, inclusive o premiado pelo júri, logrou ser executado. Uma pena.

    Série W

    Por volta de 2004, Abraham Palatnik deu início a uma nova série denominada simplesmente W. À primeira vista, trata-se de mais um desdobramento de seus relevos progressivos. E é. Mas vai além, ao propor uma discussão sobre a ativação do suporte, sua materialidade, diante da ocupação abstrata e/ou figurativa da superfície. Nara Roesler foi a primeira galerista a expor trabalhos dessa nova série, que eu analisei em texto para o catálogo da mostra realizada entre dezembro de 2004 e janeiro de 2005. Já afirmei, mais de uma vez, que Palatnik é um artista de tipo novo, que não se contenta em amassar, sem inovar, o mesmo pão da história da arte. E continuou sendo, mesmo quando, em leituras apressadas, muitos viram, já nos primeiros trabalhos da série de relevos progressivos, um retorno à velha pintura. Esta ele já abandonara, definitivamente, após ver os trabalhos geniais realizados pelos artistas esquizofrênicos do Centro Psiquiátrico do Engenho de Dentro. Ao iniciar a série de relevos progressivos, em 1962, ele afirmou que retomou a bidimensionalidade do plano para realizar o que definiu como uma “disciplina de superfície”. Descartou, então, não apenas a figura, mas tudo aquilo que tradicionalmente se identifica com a prática da pintura: cavalete, pincéis, bisnagas, desenhos preparatórios, etc. Transcrevo a seguir o que escrevi sobre mais essa invenção de Palatnik. A obsessão pelo conteúdo foi um dos motivos principais das críticas dirigidas à iconologia, definida por Erwin Panofsky como um braço da história Progressão / Progression, 1986 -- acrilica e cordas sobre tela / acrylic and string on canvas -- 100 x 70 cm Sem título / Untitled, 2001 -- óleo sobre madeira / oil on wood -- 35 x 33 cm de uma encenação, para renascer em sua fisicalidade de suporte e de superfície. A obra não mais encarada como objeto de um saber, mas como objeto para um saber”. A prática desenvolvida por Palatnik na realização de seus novos trabalhos tangencia a de alguns integrantes do grupo francês Support/Surface, mas visa alcançar outros objetivos, convergentes com o conjunto de sua obra. De fato, ele começa espraiando a tinta acrílica sobre a madeira, criando diferentes áreas de cor. Em seguida, o suporte entintado é fatiado a laser e, com as tiras resultantes do corte, cria novas estruturas visuais. As linhas nascidas da junção das tiras de madeira reativam a cor, dinamizando a superfície como um todo. Um programa previamente definido associa progressão horizontal e deslocamento vertical. Com os objetos cinéticos, Palatnik trouxe a primeiro plano a materialidade da mecânica da obra, que se iguala em beleza aos efeitos visuais. Com a série W, suporte e superfície constituem uma unidade indissolúvel.

    Coco-babaçu e farinha de peixe

    Palatnik inventou e patenteou diversos mecanismos industriais e os dois jogos já referidos. Um problema vital para a economia de certas regiões do Nordeste era como quebrar o coco do babaçu, para dele extrair a semente, que será transformada industrialmente em óleo. Em 1952, depois de seis meses pesquisando, conseguiu produzir uma máquina que quebrava o coco sem comprometer a integridade da semente. Em 1968, projetou dispositivos para agilizar a alimentação das máquinas de produção de farinha de peixe. No mesmo ano, encontrou uma solução econômica e menos poluente para a reembalagem de um pó especial para obturação de dentes. Durante muitos anos, dividiu seu talento entre a criação e a fabricação de objetos decorativos (bichinhos de poliéster), exportados para catorze países da Europa e Ásia. “Todas as minhas invenções industriais foram posteriores à invenção do aparelho cinecromático”, disse-me na mesma entrevista. Em um dos seus raros textos escritos, Palatnik sustenta que “Para inventar alguma coisa, é preciso possuir um comportamento anticonvencional. Eu acho que as indústrias deveriam convocar artistas plásticos, porque eles possuem um potencial perceptivo que pode resolver inúmeros problemas”. Em algum texto, cujos título e localização me escapam, Mário Pedrosa escreveu: “Os artistas revolucionários de nossos dias serão inventores, ou não o serão, mas inventores como os arcaicos, que, locados da ingenuidade das crianças, criam, destruindo seus brinquedos, e nutridos de pura imaginação, de si mesmos se esquecem, à eterna procura da pedra filosofal, nos equívocos alambiques onde ciência e magia hoje se confundem”. Seu ateliê, incrustado em dois cômodos apertados de seu apartamento na Urca, não prima pela assepsia dos ambientes tecnológicos modernos, nele não se encontram computadores e outros sofisticados aparelhos eletrônicos, mas uma parafernália de caixas e recipientes com parafusos, porcas, engrenagens, furadeiras, serras circulantes, lupas, lixadeiras, soldadores, alicates, pequenos tornos. Nesse ambiente de baixa tecnologia ele é, verdadeiramente, um artista-artesão, mas capaz de fazer milagres com seu equipamento.

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