Carlos Zilio
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10.Mai.2023 - 05.Ago.2023
Anita Schwartz XXV
A exposição Anita Schwartz XXV é uma celebração aos 25 anos de aniversário da galeria, onde essa história é contada a partir dos artistas e suas obras. A pesquisa curatorial percorreu o arquivo da galeria, fundada em 1998, em busca de imagens e textos críticos das exposições, feiras e publicações, com o intuito de construir uma linguagem possível sobre as experiências artísticas que moldaram o seu programa.
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23.Jan.2019 - 31.Mar.2019
Visitas ao Acervo 2
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20.Jul.2017 - 26.Ago.2017
Pinturas e Objetos
Anita Schwartz Galeria de Arte apresenta a partir de 19 de julho, para convidados, e do dia seguinte para o público, a exposição “Carlos Zilio – Pinturas, desenhos e objetos”, com trabalhos inéditos do importante artista nascido em 1944, no Rio de Janeiro. Presença constante em exposições no Brasil e no exterior, como “Transmissions: Art in Central Europe and Latin America, 1960-1980”, no MoMA de Nova York, em 2015, Zilio vai mostrar cerca de quinze trabalhos recentes, dentre pinturas, desenhos e objetos, todos desenvolvidos a partir de um tema básico: o tamanduá.
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13.Fev.2014 - 12.Abr.2014
Éter
Anita Schwartz Galeria de Arte apresenta, a partir de 12 de fevereiro de 2014 para convidados, e do dia seguinte para o público, a exposição coletiva “Éter”, com 24 obras de 17 artistas representados pela galeria, sendo três delas – dos artistas Gustavo Speridião e Otávio Schipper – inéditas. As demais obras foram produzidas entre 1999 e 2013, em diferentes técnicas e suportes, como pintura, desenho, escultura, instalação e site specific.
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24.Nov.2010 - 01.Mar.2011
Desenhos & Diálogos
O acervo da galeria Anita Schwartz, em mostra de desenhos, revela diálogos entre processos artísticos, por intermédio de técnicas e materiais, no jogo de superfícies, tramas, linhas, formas e cor. O desenho enquanto um jogo pensado para estruturar uma escrita, como definiria Jacques Derrida, um vir-a-ser-imotivado do símbolo, reconstitui as mais remotas investigações da arte, quanto as possibilidades com os limites de ver, representar e interpretar as coisas do mundo pelo olhar diverso de cada um. É com este olhar que as obras dos artistas do acervo Anita Schwartz, agrupados em Diálogos, nos favorecem encontros com a leitura da arte. Para complementar estas leituras serão apresentados no contêiner da galeria Vídeos realizados pelo Canal Brasil, do Programa Catálogo, dirigido por Marcos Ribeiro, sobre os processos artísticos onde estarão expostos os processos de Daniel Feingold, Wanda Pimentel, Ana Holk, Carlos Zilio, Marco Veloso, Niura Bellavinha, Gonçalo Ivo, Suzana Queiroga e Ivens Machado.
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15.Jan.2010 - 06.Mar.2010
Notas do Acervo
Notas do Acervo, que abre o ano de 2010, ocupa os dois andares da galeria. Formada por 28 trabalhos, dentre os quais há fotografias, esculturas, pinturas e instalações, proporcionando ao público uma amostra da produção brasileira atual, ela reúne artistas protagonistas de exposições anteriores, outros presentes na agenda deste ano, somados àqueles integrados ao time da galeria em 2009, além dos jovens. Dentre os destaques podemos citar Carlos Zílio, Abraham Palatnik, Nuno Ramos, Wanda Pimentel, Arthur Omar, Niura, Bellavinha, Gonçalo Ivo, Ivens Machado, Carlos Vergara, Otávio Schipper, Gustavo Speridião, Estela Sokol, Ronald Duarte, Wagner Morales, dentre outros. A curadoria é de Guilherme Bueno.
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03.Dez.2008 - 18.Fev.2009
Ano 01
A exposição “Ano 01”, que abre na Galeria Anita Schwartz em 02 de dezembro irá apresentar ao público um panorama de seu acervo, além de outras obras dos artistas vinculados à galeria. Diversos trabalhos inéditos estarão na exposição, que inclui desde artistas consagrados como Abraham Palatnik, Antonio Manuel, Carlos Zílio, Fabio Miguez, Nuno Ramos, Daniel Feingold, dentre outros, àqueles incorporados recentemente participantes da cena emergente contemporânea, como Wagner Morales, Wagner Malta Tavares, Gilberto Mariotti, Romano, Felipe Cohen, Cristina Ribas, etc. A exposição tem curadoria de Guilherme Bueno e ficará em cartaz até fevereiro de 2009.
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03.Abr.2008 - 17.Mai.2008
Carlos Zilio
Para marcar a inauguração de seu novo espaço no Rio de Janeiro – um prédio de três andares com cerca de 700 metros quadrados, na Gávea, construído especialmente para este fim – a galerista Anita Schwartz convidou o artista Carlos Zilio, que vai expor trabalhos inéditos e recentes: 18 pinturas (feitas em 2006 e 2007) – em formatos que vão de 1,40m x 1,80m a telas maiores, de 1,40m x 2,94m – 12 desenhos (de cerca de 1,40m x 1,10m), e quatro objetos. O texto crítico é de Paulo Venâncio Filho, que observa o fato de Carlos Zilio – que completa este ano 30 anos de opção pela pintura –, depois de uma trajetória em que dialogou com mestres da história da arte, como Cézanne e Matisse, passa a comentar seu próprio trabalho, realizado ao longo deste período.
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A ambição e a modéstia do prazer
A ambição e a modéstia do prazer
YveAlain
Bois
1996
A pergunta que Carlos Zilio faz é muito simples: “Pode alguém, ainda, pintar hoje em dia”?”“. É uma pergunta ambiciosa que ele faz modestamente, mas é também uma pergunta modesta para a qual ele fornece uma resposta ambiciosa (entendendose, aqui, ambição no sentido anglo-saxão de elevada aspiração). Zilio não é o primeiro a
fazer essa pergunta, naturalmente, nem o único a fazêla hoje, mas é esta mistura de
ambição e modéstia que considero única em seu trabalho.
Talvez isso seja mais fácil de perceber por meio de uma comparação, com Gerhard Richter, por exemplo, com quem ele tem ao menos uma coisa em comum:
exílio súbito e a descoberta resultante de todo um mundo cultural que ele havia previamente mais fantasiado do que conhecido. Richter, treinado na Alemanha oriental como pintor realista socialista, chegou a Düsseldorf na época em que a pop art, mas também figuras como Yves Klein, eram o nec plus ultra da arte contemporânea, e embarcou imediatamente no longo processo de esquecimento do que havia aprendido.
A princípio, através do que pode ser chamado de um impulso “conceitual”, Richter deu início a um desmembramento crítico da prática da pintura, desfazendo a
unificação desta arte que havia marcado sua história desde Manet: ele separoua em
gêneros, em categorias, as quais abordaram uma a uma (o nu, o retrato, a natureza
morta, a paisagem etc.) mas a introdução da abstração ainda como um outro gênero,
como outro conjunto de possibilidades históricas deslocou a posição irônica original: ficou claro para Richter que apesar de toda sua maestria dos códigos da pintura, apesar de todas as suas intervenções críticas sobre o legado da tradição, ele teve que aprender novamente o prazer de pintar.
É aí que entra a modéstia, e a sua dificuldade, quando alguém se coloca, como
Richter, na posição distante de um acusador. Uma saída moral está em jogo, apontando para a ética epicurista da Antiguidade (mas também para Brecht e suas ambigüidades): como pode alguém zombar de alguma coisa e ao mesmo tempo
sentir prazer com ela? Richter vem se ocupando deste paradoxo há 15 anos.
O caminho de Zilio não é mais fácil. Como Richter, ele começou como artista
político. Ao contrário de Richter, no entanto, foi um artista conceitual durante esses
anos de militância – ou seja, participou do movimento antipintura que seguisse à pop art. (e Yves Klein etc. tudo o que Richter havia subitamente descoberto na época de
sua deserção para o Ocidente). Em outras palavras, quando chegou a Paris no final dos anos 70, Zilio já pertencia ao campo dos acusadores: a pintura, em seu mundo, tinha há muito sido rotulada com a pecha de elitismo, e estava enterrada. Seu choque com a descoberta da sua própria arrogância foi enorme (o mesmo de toda uma geração).
Baseado no que ele agora chama de sua “ignorância”, as coleções públicas e particulares no Brasil contêm tesouros extraordinários da arte da pintura, e existe uma tradição genuína de pintura modernista neste país, mas estas não estavam disponíveis para ele, talvez por falta de uma certa massa crítica. Ele poderia ter
descoberto Cézanne em São Paulo, onde os exemplos contidos na coleção Chateaubriands estão entre os melhores que podem ser vistos no mundo, mas foi Paris a Damasco de Zilio. Diferentemente de Richter, que fora educado no métier da pintura acadêmica e sentiu uma necessidade urgente de tomar uma posição contra a mesma, Zilio subitamente maravilhouse com as complexidades dos gestos mais simples: o que significa deixar uma marca em uma tela, o que significa organizar um campo? O cheiro de terebintina é tão ruim quanto nos diz Duchamp? É possível pintar sem se sentir culpado? Qual a origem, qual é mesmo o valor do prazer do procedimento pictórico?
Nesse jorro de novas interrogações, Zilio leva uma vantagem sobre Richter. Como ele, teve que desaprender diminuir seu status como artista; como ele teve de aceitar que a eficiência política da arte não é tão grande (a rejeição de Richter ao modelo realista socialista foi mais fácil de atingir: para Zilio, foi toda utopia políticoartística do modernismo que precisou ser questionada). Mas ele não teve que se posicionar como o desafiante irônico da tradição da pintura, como o liquidante. Pelo contrário, ele precisou desaprender que a pintura “fora” liquidada, teve de aprender um ofício que ele havia previamente considerado morto. Precisou se transformar em aprendiz, o que significa que a ironia, e sua postura de domínio e controle sequer intervieram como uma possibilidade. Isto também significa que ele teve a liberdade de direcionar o problema da pintura sem sentir o fardo diário de ter de justificar sua existência. E esta própria posição de modéstia, a qual ele acedeu sem sequer pensar nela (enquanto isso foi uma luta permanente para um artista como Richter), também significou que ele pode propor uma resposta ambiciosa.
Existe prazer, diz Zilio, em aprender um ofício que parece estar desaparecendo, e
este prazer singular é, por assim dizer, um meio de resistência contra todas as forças
que levam o mundo em direção à sua maior homogeneidade possível. Isto resiste ao
impulso em direção à mesmice absoluta, precisamente porque, se é singular, seu poder reside na sua alta especificidade. Roland Barthes escreveu certa vez: “Uma tradição antiga, muito antiga: o hedonismo foi reprimido por quase todas as filosofias; só foi defendido pelas figuras marginais, Sade, Fourier; para Nietzsche, o hedonismo é um pessimismo. O prazer é continuamente frustrado, reduzido, diminuído, em favor de fortes, nobres valores: verdade, morte, progresso, luta, alegria etc. Seu rival vitorioso
é o desejo: estamos sempre ouvindo falar sobre o desejo, nunca sobre o prazer; o desejo tem uma dignidade epistêmica. O prazer não. Parece que a (nossa) sociedade recusa (e acaba por ignorar) a felicidade a ponto de só conseguir produzir epistemologias da lei (e de sua contestação), nunca de sua ausência, ou melhor ainda: de sua nulidade.” Ao definir o prazer da pintura como o guardião de sua tumba, as telas de Zilio, silenciosamente, fornecem uma resposta bastante eficaz, no final do nosso século, à própria questão da necessidade da pintura.
Copyright do autor
Publicado em www.carloszilio.com
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A pele, o corpo e o tamanduá
A pintura de Carlos Zilio, na sua paleta, nos seus movimentos, na sua reflexão, solicita certa distância, jamais qualquer empatia efusiva. Distância que pede inteligibilidade e que não se esconde em nenhuma pacotilha metafísica. Como toda pintura contemporânea, exige o contato subjetivo com sua materialidade, muito presente tanto na ação do artista marcada na superfície quanto nos contrastes presentes no uso da tinta e do pincel. Sua generosidade não se dá no encontro fácil, tampouco em qualquer dissimulação ou macetes de procedimentos que divertem e enganam. É generosa porque já na sua aparência se entrega por inteiro. Esqueçamos, por um momento, a erudição do artista e alguns dos títulos de suas telas: "Banhistas", seguramente uma referência a Cézanne e não a Renoir, ou "Et in Arcadia ego" a Poussin e Erwin Panofsky. Entreguemo-nos ao acontecimento plástico.
A paleta toca em surdina, como o trompete de Miles, mas não é seca como um Martini de Buñuel. Transpira certa sensualidade e inevitáveis associações à cor da pele em muitas áreas da superfície. Muitos desses campos são calmos e preparam o olhar, como um intervalo pitagórico, em consonância com a paleta, para o confronto com as áreas de turbulência nas quais dominam o preto e o branco; ocorrem matizes de cinza que vão se misturar à cor da pele nos movimentos circulares. O discreto refúgio do olhar nos espaços monocromáticos é chamado à agitação, como se encontrássemos juntos privacidade, individualidade, e a ruidosa vida pública, anônima e urbana.
Essa oposição, reiterada em diferentes telas, não admite passagens nem transições. A pintura de Zilio trabalha mais na disjunção do que na conjunção, mais com a descontinuidade do que com a continuidade, nela encontra-se mais genealogia do que gênese. A escolha de nos possibilitar essa experiência é visível nas divisões de muitas de suas telas pela linha vertical estruturante. Mesmo quando se apresentam fisicamente como dípticos, trípticos ou polípticos, a articulação entre os elementos tensionados pela força da oposição é poderosa, sempre predomina a sensação de unidade, a presença de um ente pictórico único sobre qualquer relação de complementaridade, não há independência dos elementos entre si. É sempre uma e somente uma pintura. Eventualmente esse modo é contrariado; por exemplo, quando um círculo vermelho – uma "maçã" – se divide entre duas áreas e é segmentado pela linha vertical. Aí o sistema se desdiz: há divisão, transição e passagem, enfim, continuidade; mas reforça-se o aspecto da unidade de cada obra.
Depois da pele, há outras evidências da relação da obra com o corpo que vão além daquelas que encontramos em toda boa pintura. As voltas dos círculos são a marca indelével de uma pincelada traçada pelo braço inteiro, distantes das curtas pinceladas de pulso dos impressionistas e nesse traçado tanto expulsam nosso olhar para além dos limites físicos da tela como o puxam para múltiplos e incertos centros. Mais do que a ênfase planar das superfícies monocromáticas, os múltiplos círculos deslocam qualquer possibilidade de um centro onde o olhar possa encontrar apoio ainda que provisório. Com os círculos e suas braçadas as dimensões das telas passam a ser conseqüências diretas do ato de pintar na escala do corpo. A medida é determinada por um campo para o ato de pintar e não decisão arbitrária para preencher uma parede.
Às naturezas mortas evocadas nas figuras dos crânios vem se juntar uma natureza viva, vivíssima na sua forma pictórica: o tamanduá. Mas nem por isso a paleta se abala, mantém sua serenidade e discrição apesar da figura esdrúxula que se infiltra nessa pintura suportada por rigorosa reflexão. Há uma anedota biográfica para a presença do tamanduá: era o bicho de estimação do pai de Zilio quando criança no interior do Rio Grande do Sul. E o tamanduá brincava descendo o corrimão da escada das avós do pintor. Mas a palavra tamanduá não designa somente o mamífero latino-americano comedor de formiga e cupim; usa-se também para nomear uma grande mentira. Mas não é isto que o artista está nos mostrando? Isto não é um tamanduá da mesma forma que o cachimbo de Magritte não era um cachimbo. Maçãs, crânios ou tamanduás descendo escada, caindo ou se enrolando nos círculos, hoje, nos interessam porque é pintura. Zilio escolheu e constrói seu destino: essas telas materializam um dos capítulos de mais de quarenta anos de prática artística e trinta anos de pensamento pictórico.
Rio de Janeiro, 2 de setembro de 2008.
*Paulo Sérgio Duarte é crítico, professor de história da arte e pesquisador do Centro de Estudos Sociais Aplicados / Cesap da Universidade Candido Mendes, no Rio de Janeiro. Leciona Teoria e História da Arte na Escola de Artes Visuais do Rio de Janeiro – Parque Lage.
Foi Assessor-Chefe do RIOARTE (1983-85) e primeiro diretor geral do Paço Imperial / Iphan, de 1986 a 1990, responsável pela sua implantação como um centro cultural, período em que foram realizadas, entre outras, as exposições Lygia Clark e Hélio Oiticica, Brasil Holandês, Lasar Segall, Sergio Camargo, Miró e Gaudi, Expedição Langsdorf, Amílcar de Castro (única retrospectiva do artista em vida), Tesouros do Kremlim e Carlos Vergara.
Publicou os livros Anos 60 – Transformações da arte no Brasil [Rio de Janeiro: Campos Gerais,
[1998]; Waltercio Caldas [São Paulo: Cosac & Naify, 2001] e Carlos Vergara [Porto Alegre: Instituto Santander Cultural, 2003], além de diversos artigos e ensaios sobre arte moderna e contemporânea, dentre os quais se destacam os estudos "A trilha da trama" [in: Antonio Dias. Rio de Janeiro: [Funarte, 1979]; "O que Seurat será?" [in: O Olhar. Org.: Adauto Novaes. São Paulo: Companhia das Letras, 1988]; "Amilcar de Castro ou a aventura da coerência" [in: Novos Estudos CEBRAP, n. 28. São Paulo: CEBRAP, 1990]; "Modernos fora dos eixos" [in: Arte construtiva no Brasil. Org.: Aracy Amaral. São Paulo: DBA Melhoramentos, 1998]; "As técnicas de reprodução e a idéia de progresso em arte" [in: Mostra Rio Gravura - Catálogo Geral. Rio de Janeiro: Instituto Municipal de Arte e Cultura – RIOARTE, 1999]; "Chega de futuro? – Arte e tecnologia diante da questão expressiva" [in: Arte & Ensaios. Ano IX. No. 9. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2002]; "Lasar Segall: O Navio de Emigrantes" [in: Nossa História. No. 7. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, maio de 2004].
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Carlos Zilio
Carlos Zilio
Wilson Coutinho
1986
Ultimamente de exposição em exposição, a obra de Carlos Zilio tem, de forma
Manifesta se eximido de se agrupar em tendências mais ou menos identificáveis. Daí, provavelmente, o estranhamento que ela mesma produz: uma espécie de obliqüidade rigorosa. Ela impõe um cálculo de afastamento diante da atração mimética que sistemas e tendências são assimilados no Brasil. O seu cálculo, que é o de revolverse nos parâmetros da história da arte, resulta de um enfrentamento de um duplo problema: o confronto com o sistema Cézanne / Matisse / Barnett Newman e a integração deste sistema no horizonte perceptivo brasileiro. De onde vem ele? Parece nos indagar a cada exposição, o conjunto das obras que Zilio vem pintando. É fato que a autoridade de um sistema e a ambivalência de outro produz o fascínio do desequilíbrio, esta lógica do recomeço constante, cuja ambigüidade o artista reconhece.
Como, de novo, diante do confronto com os sistemas ordenadores da criação plástica da modernidade, assumir outro confronto, que é o de pintar diante do vácuo do que se nomeia “brasilidade”? O caminho austero de Zilio – e tratasse de uma pintura de procedimentos austeros – pode ser capaz de abraçar o estímulo sensório que a percepção abriga em uma tentativa de dissimular a não origem, fazêla preenchida no exato instante que o pintor pinta diante das coisas. O que faz, nestas pinturas, por exemplo, aquelas palmas de bananeira, a crueza dos verdes, as linhas verticais das palmeiras, a presença da cor negra que se ajusta a um décor tropical e que inquieta exatamente por não negar este décor e tornálo estranho? E por que ainda evitar todo o recurso anedótico em relação a ele? O pintor Zilio dessublima, com coragem, a ambigüidade da questão que o está preocupando: “Eis o que vejo, eis aí porque estas formas não estavam ausentes e que elas cotidianamente miravamme para serem entregues à pintura. E por que não ir até estas formas recusadas, colocadas como distantes e, pior, como não existentes?”.
A pintura de Zilio impõe se contra este recalque. No entanto, o processo não é
Simples. Se agora o pintor sabe que a ambigüidade sublimada é o erro do artista que se volta para captar a essência do que se chama “brasilidade”, é necessário que a pintura de Zilio voltese, para evitar este erro básico, para o ponto extremo do seu sistema: Cézanne, Matisse, Barnett Newman e, recentemente, a introdução do douanier Rosseau. É uma dialética do retorno com a sensação consciente do presente. Neste sistema, a obra de Zilio não procura recuar, mas se debater com uma intricada rede de questões plásticas. Nunca na pintura de Zilio ira aparecer uma enciclopédia de citações diretas, mas ela abriga procedimentos e questões problemáticas. Como fazer com que a “pintura lisa” transformese em uma “pintura de enxugamento”, de extração de camadas ou combinar, como procedimento, as duas atitudes? Ao mesmo tempo como manter como padrão de reconhecimento – uma astúcia que não deseja o esquecimento – da existência de Barnett Newman – o íntegro sublime. Não o esquecendo em uma pintura que não deseja mais o sublime? Como afastálo, mantendo e depois como confrontar se com Rosseau não desconhecendo Matisse, nem o próprio Newman? A obra de Zilio nasce de questões complexas que a história da arte avaliou. Daí que ela não deseja ser uma amnésia de sua própria interrogação. A obra se interroga cada vez mais e de maneira cada vez mais livre, o que a torna cúmplice do sistema original que a faz aparecer e se desprender dele como um irônico piscar de olho – esta simultaneidade entre o que não se vê e o de estar, claramente, vendo. Que vem fazer, portanto, nesta obra um duende das florestas, em uma época afastada do simbolismo do mito e feito por um artista excessivamente culto para acreditar nele? O fascínio é o de organizar um problema em torno de um procedimento que chamei de austero e que “estranha” a iconografia banal para deixála estranha em excesso. O mesmo ocorre com a função dos arabescos – estas circularidades menos austeras como procedimento, azuis e brancos, que cercam uma gratuidade de uma cortina ao vento, vermelha, e aparentemente solta, obra do puro engendra mento da cor com a banalidade décor. Nada de grandioso nesta “brasilidade”, que Zilio confessa procurar nestes seus últimos
quadros. A questão que tem perseguido o artista já há algum tempo é a de recompor nos parâmetros cultos da nossa arte, uma idéia antiga (e que foi a idéia do Matisse) que é a do senso do decorativo. A novidade é que ele se afasta de um procedimento em voga – o pattern – para fundar o seu próprio sistema referencial. Desde que voltou da Europa em 1980, tem procurado se definir e com bastante coragem em nosso meio, de uma maneira a não esquecer os necessários confrontos. Daí, o seu caminho: das linhas ondulantes de colorido audacioso e antigramatical, às linhas fundantes que iriam abrigar, de maneira definitiva, a questão do decorativo como um problema a ser resolvido, a entrada no jardim matisseano, o contraste e o contraponto constante com os campos de cor fracionados por fortes cortes, onde aparecem flores, arabescos, pontos, os sinais das maçãs pontuando a tela. Depois o surgimento da figura, da floresta, da mulher, todos esses elementos que irão configurar um caminho sem oscilação diante da questão plástica que elabora já há tempos. Zilio parece querer conciliar a calma e a luxúria matisseana com a inquietação cézanneana. E nos devolve mais um problema: o da brasilidade. “Ela é João Gilberto”, costuma dizer, expressão que é um programa e afasta os mal entendidos. Porque aqui, diante de suas telas, não encontramos facilidades, mas rigorosos sistemas plásticos que se intercalam e que se justapõem criando, na suas obras uma reversão do que é esperado e que torna sua experiência marginal ao percorrer, na metáfora do oblíquo, a rede histórica da arte, o ver e não ver de um piscar de olhos.
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O Estranho Dono de uma mala cheia de Pregos
O Estranho Dono de uma mala cheia de Pregos
Brito Ronaldo
1975
Há pouco o que se olhar na exposição. Não faz sentido “contemplar” essas telas brancas que apresentam apenas gráficos, com linhas, números e letras. Não há também nenhum enigma proposto nesses gráficos: um código informando o significado de cada elemento fornece as chaves necessárias e suficientes para a compreensão da proposta.
É a partir daí que o espectador começa a leitura, colocado já diretamente em contato com a questão do trabalho, livre da tarefa de arrancar o véu de mistério que, de acordo com a tradição metafísica que cerca a arte do Ocidente, costuma envolver as obras. O esquema formal do trabalho de Carlos Zilio é extremamente simples e permite a imediata entrada em ação do raciocínio discursivo.
A mala do executivo. A intenção de sua proposta pode ser entendida com certeza a partir da análise de um múltiplo presente na exposição – a mala do jovem executivo – e dos desenvolvimentos que ela deu margem ao artista, na forma de Xerox, pôster e cartão postal. Os pregos que substituem os documentos e papéis no interior da mala, as fotos em que aparece o artista empunhando a mala e, naturalmente, a própria escolha desse signo social tão elucidativo da realidade nacional dos últimos anos dão a idéia segura do plano crítico em que esse trabalho tenta operar. Apenas, enquanto a série de produções em torno da mala é de caráter ilustrativo, outros trabalhos têm uma linguagem mais abstrata e se apóiam em esquemas mais gerais de interpretação da realidade.
RB No texto que acompanha a exposição você fala em uma mudança de atitude do artista frente ao seu trabalho. Abandonando o seu tradicional mutismo e a delegação de poderes ao crítico no sentido de explicar a obra ao público, o artista contemporâneo faria de suas declarações e textos críticos uma intervenção a mais no ambiente cultural. Você poderia explicar o significado dessa mudança? Zilio Bem, até o início do século a arte tinha um estatuto mítico na sociedade e o artista era considerado um ser privilegiado. À medida que se foi formando uma visão crítica dessa prática específica que é a arte desse estatuto começou a ser denunciada como uma manobra ideológica que tinha uma função clara: manter a arte em um terreno platônico, longe de conflitos sociais. A partir do momento em que o artista rejeita o seu estatuto social ele se volta também, é claro, contra as formas tradicionais de comportamento que de certo modo era obrigado a assumir. Uma dessas formas era a sua falta de visão crítica e raciocínio discursivo. Ele era uma espécie de produtor burro que tinha necessidade de alguém que falasse por ele – o crítico – e que tinha uma atitude passiva diante das interpretações do seu trabalho. Hoje, não. O artista pode e devem interferir criticamente no processo público de leitura de seu trabalho, através de textos, declarações etc. É um passo a mais no sentido de esclarecer a verdadeira função da arte na sociedade.
RB Do modo como se apresenta – telas em preto e branco com simples indicações gráficas, presença de suportes e objetos pouco “artísticos” – a exposição parece atacar o privilégio do olhar como está estabelecido no tradicional sistema das belas artes.
Por outro lado criouse mais recentemente no meio de arte brasileira um rótulo que seve para distinguir, de um modo não crítico, todos os trabalhos que por alguma razão pareçam atacar esse privilégio: arte conceitual. Como você vê o seu trabalho nesse sentido? Zilio A única ligação entre minha proposta e a dos conceituais é a preocupação antiformalista. A concepção da arte como manipulação de idéias, e não de esquemas visuais. E só. O que define a arte conceitual é uma investigação lingüística, a possibilidade de tradução das formas plásticas em proposições discursivas. O meu trabalho pretende estar voltado para o real, enquanto o dos conceituais é puramente epistemológico. Quanto aos rótulos, acho que são resultado da importação acrítica de modelos e servem sobretudo para evitar discussões críticas. Houve um tempo em que
no Brasil ainda se procurava discutir a questão dos modelos importados. Hoje há uma aceitação alegre e descontraída deles, inclusive no terreno da arte. É um internacionalismo primário que considera não haver distinções entre o nosso ambiente cultural e o dos principais centros culturais.
RB Com referência outra vez ao seu texto de apresentação, poderia explicar melhor a direção de sua proposta? Zilio O projeto geral do meu trabalho é traduzir em termos plásticos as contradições que detecto na sociedade. Respeitando as características da linguagem da arte, no entanto, não tento fazer um registro ao nível dos fatos, mas sim propor modelos amplos de interpretação da realidade. A exposição atual, por sua vez, marca uma retomada de atuação artística (comecei em 1965, passei por Nova Objetividade em 1967 e fiquei de 1968 a 1973 sem trabalhar) e tem um caráter até certo ponto biográfico. A exposição pretende ser de certo modo a história de uma determinada conjuntura social e pessoal.
RB Com referência outra vez ao seu texto de apresentação gostaria que conceituasse mais precisamente o que você chama de ligação de sua mostra com o circuito de arte nacional. Como, por exemplo, ela pode servir para transformar o circuito em algum aspecto? Zilio A exposição tem origem e se dirige ao circuito de arte brasileiro. Não só, é claro, por causa de minha formação cultural, impregnada pelos problemas concretos daqui, mas também porque procurei visar nessa exposição não a um espectador abstrato, ideal, mas ao espectador médio que freqüenta nossas galerias. Foi sobre a idéia que
Faço desse espectador que procurei trabalhar. Por exemplo: a minha exposição traz um código explícito de leitura com a finalidade de evitar o que Marcel Duchamp chamava de leitura “retiniana” (exclusivamente ótica) de arte, ainda vigente entre nós. Cheguei à idéia do código não por uma formulação teórica, mas por uma necessidade prática.
A exposição pretende ter uma posição até certo ponto crítica diante do meio de
arte brasileiro. Ela tenta, por exemplo, induzir o espectador a uma leitura global da proposta e a não se demorar demais nos trabalhos, que em si mesmo pouco dizem. Nesse particular, acho que funciona contrariamente à maioria das mostras por aqui, sempre preocupadas em valorizar cada obra em particular; afinal, são elas os objetos
Comerciáveis. Além disso, procurei usar todos os suportes possíveis com o sentido de atacar o fetiche do objeto de arte e resolvi mesmo vulgarizar, banalizar a obra através de uma utilização tática do múltiplo. Eles estão a preço de banana por causa disso, como uma forma de reação ao múltiplo de acrílico, característico do boom do mercado de arte brasileiro no início dos anos 70. Mas estou consciente das limitações da exposição. Ela não é um evento radical. Aceita de certo modo as regras do jogo: afinal, estão na galeria objetos compráveis como outros quaisquer. Quando coloquei, por exemplo, alguns objetos à venda, o fiz pensando não haver público para eles, mas só durante
a exposição saberei se forçam ou não o limite do espectador médio.
RB Dessa maneira se estou compreendendo bem, a sua exposição atuaria entre dois pólos que estão até segunda ordem opostos: a preocupação com uma linguagem contemporânea e a atenção para a realidade do público de arte brasileiro. A sua proposta é obter um equilíbrio entre esses dois pólos, no meio dos quais existe um
Vazio; é isso? Zilio Não acredito que haja uma contradição insuperável entre arte contemporânea e a média do público a que se destina. Acho que há uma interpretação idealista, por parte de muitos artistas, das origens da arte contemporânea, que remontam aos construtivistas russos (Tatlin, Rodchenko) e a Marcel Duchamp. Estes, ao contrário de seus seguidores – de um lado, os concretistas europeus, de outro, digamos, todo o movimento de antiarte – estavam sempre ocupados com o relacionamento da arte com o público. Acontece que a arte contemporânea está andando muitas vezes sobre sua cabeça, e não sobre os seus pés. Daí a distância para com o público, que deixou de ser levado em conta por essa arte voltada apenas para si mesma. A obrigação dos artistas contemporâneos é usar os meios adequados, mas não simplistas, para se aproximar do público de arte e encontrar uma linguagem eficiente nesse sentido.