Ivens Machado
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10.Mai.2023 - 05.Ago.2023
Anita Schwartz XXV
A exposição Anita Schwartz XXV é uma celebração aos 25 anos de aniversário da galeria, onde essa história é contada a partir dos artistas e suas obras. A pesquisa curatorial percorreu o arquivo da galeria, fundada em 1998, em busca de imagens e textos críticos das exposições, feiras e publicações, com o intuito de construir uma linguagem possível sobre as experiências artísticas que moldaram o seu programa.
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20.Jun.2021 - 15.Ago.2021
Percurssos
"A exposição Percursos é fruto de diferentes momentos e produções artísticas que fazem parte da história da galeria. Dialogam juntos trabalhos do acervo e de artistas representados, que datam da década de 60 até os dias atuais, entre pinturas, esculturas, fotografias e desenhos."
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13.Fev.2014 - 12.Abr.2014
Éter
Anita Schwartz Galeria de Arte apresenta, a partir de 12 de fevereiro de 2014 para convidados, e do dia seguinte para o público, a exposição coletiva “Éter”, com 24 obras de 17 artistas representados pela galeria, sendo três delas – dos artistas Gustavo Speridião e Otávio Schipper – inéditas. As demais obras foram produzidas entre 1999 e 2013, em diferentes técnicas e suportes, como pintura, desenho, escultura, instalação e site specific.
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27.Out.2011 - 07.Jan.2012
Em torno da escultura
Anita Schwartz Galeria de Arte apresenta a partir de 26 de outubro para convidados, e do dia seguinte para o público, a exposição “Em torno da escultura”, que ocupará todo o espaço expositivo da galeria com 18 obras, sendo algumas inéditas, de importantes artistas do acervo, tendo como enfoque a escultura e outras linguagens que exploram a tridimensionalidade. Com curadoria de Guilherme Bueno, a mostra terá obras de Ana Holck, Ana Linnemann, Angelo Venosa, Antonio Manuel, Artur Lescher, Carla Guagliardi, Carlos Bevilacqua, Daisy Xavier, Estela Sokol, Felipe Cohen, Gonçalo Ivo, Gustavo Speridião, Ivens Machado, Otavio Schipper, Romano e Waltercio Caldas.
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24.Nov.2010 - 01.Mar.2011
Desenhos & Diálogos
O acervo da galeria Anita Schwartz, em mostra de desenhos, revela diálogos entre processos artísticos, por intermédio de técnicas e materiais, no jogo de superfícies, tramas, linhas, formas e cor. O desenho enquanto um jogo pensado para estruturar uma escrita, como definiria Jacques Derrida, um vir-a-ser-imotivado do símbolo, reconstitui as mais remotas investigações da arte, quanto as possibilidades com os limites de ver, representar e interpretar as coisas do mundo pelo olhar diverso de cada um. É com este olhar que as obras dos artistas do acervo Anita Schwartz, agrupados em Diálogos, nos favorecem encontros com a leitura da arte. Para complementar estas leituras serão apresentados no contêiner da galeria Vídeos realizados pelo Canal Brasil, do Programa Catálogo, dirigido por Marcos Ribeiro, sobre os processos artísticos onde estarão expostos os processos de Daniel Feingold, Wanda Pimentel, Ana Holk, Carlos Zilio, Marco Veloso, Niura Bellavinha, Gonçalo Ivo, Suzana Queiroga e Ivens Machado.
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15.Jan.2010 - 06.Mar.2010
Notas do Acervo
Notas do Acervo, que abre o ano de 2010, ocupa os dois andares da galeria. Formada por 28 trabalhos, dentre os quais há fotografias, esculturas, pinturas e instalações, proporcionando ao público uma amostra da produção brasileira atual, ela reúne artistas protagonistas de exposições anteriores, outros presentes na agenda deste ano, somados àqueles integrados ao time da galeria em 2009, além dos jovens. Dentre os destaques podemos citar Carlos Zílio, Abraham Palatnik, Nuno Ramos, Wanda Pimentel, Arthur Omar, Niura, Bellavinha, Gonçalo Ivo, Ivens Machado, Carlos Vergara, Otávio Schipper, Gustavo Speridião, Estela Sokol, Ronald Duarte, Wagner Morales, dentre outros. A curadoria é de Guilherme Bueno.
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Saber blefar
Saber blefar
A veiculação dos poderes na sociedade e a manutenção da dominação deixam suas marcas profundas nos espaços concretos que a constituem. A configuração destes espaços, o modo pelo qual são concebidos e distribuídos, são parte inseparável do exercício do poder, revelando em sua materialidade as regras do jogo e o lugar de seus jogadores. Cidades, edifícios, prisões, estádios, escolas, hospitais etc., ao regularem sua construção de modo a assegurar o bom desempenho das funções às quais estão destinados, disciplinam o espaço organizando-o segundo a ótica da dominação.
Compreender o caráter político da espacialidade é essencial para a leitura das intervenções gráficas de Ivens Machado. Seus desenhos, seus cadernos, as séries de Fluidos Corretores etc., não estão relacionados ao espaço de modo passivo – tributo tradicional que as artes visuais pagaram pelo fato de a representação necessitar de um suporte/espaço para sua produção. As Intervenções tampouco pretendem discutir, pura e simplesmente, o suporte, e a questão da representação, ou mesmo sua inserção nos espaços institucionais do Circuito de Arte. As intervenções gráficas, embora não ignorem estas questões, situam-se mais adiante e tratam a espacialidade de um ponto de vista muito mais amplo. Nelas, o que está em pauta é a revelação mesma do caráter político da distribuição normalizadora dos espaços.
A pauta é elemento constante nas Intervenções do artista. Aparece num primeiro olhar, com toda a carga e familiaridade de uma vivência fundamental em nossa sociedade – a vivência escolar.
Pauta, papel quadriculado, cadernos são superfícies marcadas pelo exercício do aprendizado da escrita, da matemática etc. Espaços reservados para o adestramento e para o registro dos saberes transmitidos. Lugar onde uma experiência comum a todos é vivida pelo envolvimento físico do ato de escrever e, por isso mesmo, lugar de profunda intimidade. Daí, talvez, a sensação de estranheza que possamos sentir, as pautas não estão em seu lugar tradicional – estão expostas em outro circuito, cuja marca e familiaridade nos leva a esperar outro tipo de coisas.
O deslocamento da pauta para outro circuito – o circuito de arte – é, sem dúvida alguma, uma característica chave nestas intervenções gráficas. O que ocorre, porém, não é o puro deslocamento de uma produto acabado para outro contexto que não o seu. A intervenção de Ivens é mais abrangente. Muitas das pautas são desenhadas, outras produzidas pela manipulação direta da máquina de pautar etc. O sentido deste deslocamento passa por outras questões: O que está sendo deslocado? Como está sendo deslocado? Que relações mantém o contexto originário com o novo contexto?
A pauta disciplina a superfície lisa do papel preparando-a para sua finalidade. Sua disposição horizontal e paralela indica que nossa escrita desenvolve-se em certa direção. A margem à esquerda da página, o espaço maior no topo da folha mostram-nos em que sentido devemos utilizá-lo. Prescrevem, enfim, toda uma série de normas que devem ser cumpridas para o domínio da escritura. Este domínio é um dos pressupostos para a transmissão dos saberes – função da instituição escolar. Portanto, o domínio da arte de escrever implica em relações de poder. Relações que estão inscritas, mesmo no momento em que as páginas em branco de um caderno sugerem-nos a neutralidade de seu silêncio aparente. Justamente isto é que o artista desloca. Esta é a carga lançada de fora para dentro do circuito da arte. Na tensão decorrente deste procedimento, reside o sentido crítico das intervenções de Ivens. Tensão decorrente da estranheza causada por um objeto deslocado. Tensão viabilizada, por outro lado, pela identidade material do espaço em discussão.
Embora institucionalmente Escola e Arte ocupem espaços diversos, o suporte material da escritura e o suporte material das artes gráficas é o mesmo – o papel. O modo pelo qual a arte concebeu o uso desta superfície modificou-se. Mesmo quando este uso viu-se liberado da rigidez do cânon acadêmico – permitindo ao senso comum compreender a arte moderna e contemporânea como indisciplinada, subjetiva, criativa – o que estava em questão eram novas maneiras de organizar o espaço. Maneiras conflitantes, é claro, mas que não abriam mão de prescrever com precisão o tratamento da superfície. Modos precisos para transformar o silêncio do suporte em linguagem – linguagem da arte. A ocupação e o domínio do espaço do papel, mesmo no momento em que passa a ser compreendida como linguagem, continua a pensá-la normativamente. Garantir com rigidez a especificidade da linguagem da arte é garantir um determinado território de poder – território material e institucional. Espaço marcado, diferenciado de outros, integrado a uma política territorial mais ampla, que assegura a eficácia da dominação, também ao nível da espacialidade.
A identidade material de dois suportes diferentes – superfícies pedagógicas e superfícies gráfico/artísticas – funciona nas intervenções de Ivens como um cavalo-de-tróia. O papel viabiliza o deslocamento da pauta para dentro da cidadela da arte. Viabiliza a tensão e o enfrentamento entre dois espaços de poder pelo questionamento de suas fronteiras. Revela, a partir deste estratagema, em sua produção, os mecanismos políticos da espacialidade. Questionamento que quebra o espaço esquadrinhado pelo poder, usando e abusando de suas próprias regras.
Os desenhos de Ivens – 1974 – reproduzem fielmente, em uma primeira olhada, as pautas de um caderno. A atividade de desenhar reduz-se à monotonia do gesto que organiza o espaço segundo as exigências da escritura. A folha é ocupada em sua totalidade, conforme o ponto de vista desta lógica. Malha cerrada que aparece com toda força do que ela pode instrumentalizar. De repente, nos damos conta de que alguma coisa aconteceu. A folha de caderno não funciona como deveria. São, por exemplo, poucas linhas que se romperam ficando penduradas, como uma armadilha virtual para a escritura. Em outro desenho, aparecem linhas que quebraram e foram emendadas por um pequeno nó. À lógica do poder deste espaço marcado para a escritura o artista impõe outra lógica. São páginas de caderno que jamais serão escritas. A totalidade de seu espaço está comprometida pela disfunção de uma de suas partes. As linhas rompidas quebram a lógica que as regulava. Jamais serão escritas, porque, além disso, apresentam-se deslocadas de seu contexto habitual, resguardadas pelo novo estatuto que possuem – o estatuto de arte.
Posteriormente, o artista amplia suas intervenções. Passa a trabalhar diretamente com a máquina de pautar. De novo, a disfunção comparece como elemento crítico. O próprio uso da máquina é feito incorretamente. O resultado destes procedimentos torna-se o registro de interferências fora do funcionamento esperado para a máquina. Em 1975, produz séries de trabalhos a partir das falhas existentes em cadernos comprados em papelaria. São Situações Encontradas, onde a exceção vira regra, tornando-se critério organizador por excelência desta apropriação/deslocamento. Seria importante lembrar um segmento desta produção – a simples exposição das estruturas em sua quase-totalidade. Neste segmento a ação do circuito de arte – conseqüentemente a realização de sua ideologia – é indispensável para a conclusão da obra.
As correções – Fluidos Corretores – são feitas a partir da intervenção sobre materiais de papelaria, materiais não artísticos. Folhas pautadas, ainda não cortadas para a confecção de cadernos, são corrigidas, retificadas, apagadas por corretores usados em processos de reprodução, ou mesmo borracha. Estes materiais de uso corretor, instrumentos concebidos para conjurar o erro, comparecem nesta série com um sentido inverso ao qual se destinavam. Sua intervenção anula, apaga, corrige. Mas corrige o quê? Corrige erros que estariam fora das normas de escriturar? Não, o que se “corrige” é justamente o pressuposto gráfico fundamental do espaço destinado a escrever. São pautas que estão veladas. Pautas que sinalizam a impossibilidade de sua utilização, imprestáveis que estão para o cumprimento de sua finalidade. Materiais que foram concebidos como elemento recuperador de acidentes possíveis na escrita são usados como elemento causador de uma nova regra – indesejável para o bom funcionamento de uma superfície pedagógica.
Colocar para dentro da instituição Arte superfícies pertencentes a outro circuito tem um sentido preciso. Em ambas – a pedagógica e a das artes gráficas – a linha é o elemento constitutivo de seu esquadrinhamento, o papel a principal condição material de sua possibilidade. Ao deslocamento sobrepõe-se esta proximidade, de feição entre os dois circuitos. A estratégia das intervenções gráficas tira partido desta proximidade. Produzindo pautas, cadernos, que não cumprem sua finalidade, sabotando pela falha a plenitude de um poder virtual contido nestas superfícies, o que se revela é a vocação política deste espaço. Dar estatuto de Arte – pelo deslocamento, por sua inserção no circuito da arte – a estas intervenções, é propor uma relação ativa, tensa, política, com aquilo que a tradição consagrou como o lugar por excelência das artes plásticas – o espaço, as superfícies de inscrição da visualidade. Ivens Machado aceita as regras do jogo, para em seguida desrespeitá-las. Aceita o poder destas regras para em seguida neutralizá-lo instaurando novas relações. Relações que colocam o artista em uma disputa, na qual a vitória da norma não está de antemão assegurada.
Fernando Cocchiarale
Texto publicado originalmente no catálogo da exposição Linha de Corte, Galeria Saramenha, Rio de Janeiro, 1979.
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Objetos identificados
Objetos identificados
Objetos identificados essas estranhas esculturas de Ivens Machado. A estranheza inicial dos espectador é enlaçada pelo perigo e tensão imediatamente percebidos na obra.
Ivens Machado é sempre o mesmo e sempre outro. Recurso a técnicas e linguagens diversas: desenho, instalação, performance, vídeo-arte, relevo, objeto, escultura para novas questões. É outro numa nova produção. Recorrência de problemas em níveis de aprofundamento e transformação. É o mesmo, que se concentra. Hoje o outro Ivens Machado faz esculturas-construção civil enquanto Ivens Machado, o mesmo, reincide no mergulho sobre a norma.
“Toda vez que eu estou fazendo um trabalho é como se eu estivesse começando, como se não tivesse memória.” Negativa da memória como valor acumulado (Ivens Machado, o outro).
O artista expõe o seu método de construir. Cimento armado. Vergalhões. Ofícios da construção civil. Artimanhas de construções de subúrbio e favela. Tensão. Esse volume/espaço se ergue em habitação do olhar. A coluna que encontra seu equilíbrio, as conchas que se abrem, a matéria, incomum, tudo capta o olho. O barraco que fica em pé no morro. Jeito: surpreendentemente essas peças são estáveis.
“A completa expressão da escultura é espacial – é a realização tridimensional de uma idéia, através da construção do espaço ou da massa. Os materiais da escultura são ilimitados na sua variedade de qualidade, tensão e vitalidade.” (Barbara Hepworth)
A ordem arquitetônica popular: seus recursos, o jeito, matérias e materiais oferecem-se como um repertório de possibilidades. O artista age como o arquiteto de sua obra.
Cimento
Vergalhão
Azulejo
Cacos de vidro
Tela de arame
Tudo é matéria/material de construção
O mestre de obras pré-ordena a escultura e vai em busca de sua presença no mundo: equilíbrio.
Peso no espaço.
“A matéria é o primeiro adversário do poeta da mão. Ela tem todas as multiplicidades do mundo hostil, do mundo a dominar.” (Bachelard)
O ferro é estrutura, sustentação. É sem segredo o osso dessas massas – corpo. Vergalhão a olho nu.
Ao criar seus espaços/volumes, Ivens recusa o recurso a esses materiais como visita ao paraíso Kitsch. Nunca.
New Wave. Ou elegia paternalista do popular. Recolhe a sensualidade plástica da matéria e atitude de construção através do precário. Extração de um saber. Reelaboração numa outra ordem. Arte de artista.
Redes de arame/controle da fuga e da entrada. Véu do olhar. Malha. Inversão. Na obra é matéria flexível, o que prendia é captado por volume de cimento. O que era prisão é prisioneiro.
Alvenaria. Ivens, incorporador de signos. A pá do pedreiro acumula quantidades de matéria de cores diferentes. O escultor faz o espaço de argamassa, produz a escultura. Nasce a dimensão como a pincelada cézanniana estabelece sua obra em espaço e matéria. Chapisco. Caminho do todo, como cada tijolo constrói a casa.
“As dificuldades de Cézanne são aquelas da primeira palavra.” (Merleau-Ponty)
Essas esculturas têm a sua cor própria. Argamassa, pó-xadrez, azulejos: impregnação da cor na massa. Não se trata de maquiagem nem pintura de parede. Cores da terra.
“A arquitetura e a escultura estão ambas tratando das relações de massas.” (Henry Moore)
As atuais esculturas podem ser referidas ao desenvolvimento da obra de Ivens Machado nos últimos doze anos. O artista estabeleceu uma vertente: a questão da norma. O conjunto será melhor compreendido quando historicamente situado em relação aos anos da ditadura e da repressão no Brasil. Leitura no tempo das metáforas.
Relevos de azulejo (1972/3). Estes azulejos não seriam nunca os da casa de Jean-Pierre Raynaud. O quadrado propõe a malha que o prego, o gancho, o bueiro interrompem como maculação da matemática, como fissuras na assepsia.
O artista desenhou folhas de papel pautado ou utilizou rolos de papel impressos por máquinas pautadeiras (1974-5), cujas penas são desviadas de seu curso. O artista intervém no espaço: desenho e gesto são a quebra da norma, o desvio da linha, da bitola, da pedagogia, intervenção no tempo: interrupção do infinito das linhas paralelas. Quebra do ritmo do olhar: intervenção no corpo do outro.
Na série de desenhos de linhas impressas que são rasuradas/desfeitas, Ivens opera a desconstrução da norma, dos condutos tradicionais da caligrafia que adestram o corpo para o modelo ideal (norma). O desenho De Kooning Apagado por Rauschenberg é a desconstrução da história, marcada pelos nomes concretos individuais. Nesses desenhos a possível referência a Rauschenberg não se faz como cópia do modelo estético mas como padrão ético de um tempo. Para Ivens, a operação se faz no plano geral e abstrato. Longe a perspectiva recusada como artifício, como edifício de arte. Afastadas as geometrias das distâncias (métrica) ou da linha reta (projetiva).
Para Ivens, dedo e borracha são os instrumentos de um desenho que recusa ao artista um corpo domesticado pela pedagogia das Belas Artes.
Obstáculos/Medidas (MAM-RJ, 1975): muros da cidade, de alturas diversas, são reconstruídos no Museu, num crescendo de interdições do corpo e do olhar. O ordenamento do espaço segue a regra da ampliação do Não. Muro – proteção da privacidade e da propriedade contra a presença do outro. Constituição do segredo. Opacidade. O artista pulou o muro, rompeu a interdição, desvelou a lógica social nesta zona de sombra. Dentro do MAM-RJ, durante o horário de visitação, atrás do muro: um espaço simbólico conquistado pelo sujeito/artista através da delinqüência, da obscenidade e da escatologia, contra a norma/castração – a favor da liberdade.
“Na cidade carcerária há uma rede múltipla de elementos diversos – muros, espaço, instituição, regras, discursos. (…) uma repartição estratégica de elementos de diferentes naturezas e níveis.” (Foucault)
Caco de vidro sobre muro (1975/79). Proteção agressiva da propriedade na cidade brasileira. Sinal decifrável da punição. O medo do ferimento/dor aprisiona do lado de fora o corpo-ladrão. Ivens faz grandes esculturas de cimento revestidas e pontiagudos cacos de vidro: mapa do Brasil, tapete, bumerangue, consolador. O caráter simbólico desses objetos + caco de vidro = aflição. O feitiço contra o feiticeiro. O corpo do espectador não nega uma resposta. Cuidado e concentração. Defesa. Sobrevivência frente à agressividade da norma.
A regra na obra atual de Ivens são as leis da física, a regência da natureza. Vida da matéria, existência da matéria no mundo. Tempo/espaço/equilíbrio que através da norma alcançam a sua poética.
A obra de Ivens na sua ansiedade opera o fulcro, o momento que já não se faz apenas no mundo do equilíbrio físico (massa/volume/peso) ou estético (harmonia formal). Seu campo é a ansiedade, latente no espectador, e gerada pela impotência diante do equilíbrio iminente, da regra transferida. A aflição do olhar reside nas fantasias e fantasmas diante do objeto estático que pode recusar sua condição, despertar da sua imobilidade, realizar seu destino.
Ivens expõe a norma como ocultação e interdição, prescrição e pena. Poder que intervém como hipótese sobre o olhar/corpo do espectador. Paradoxalmente sua arte opera no campo real do não-ver. A alma diante da obra torna-se prisão do corpo (Foucault): incorpora a norma que doma o corpo.
“Não me interesso em me relacionar com a história da arte.” (Ivens Machado)
O artista freqüentemente busca para sua obra relações fora do contexto da arte. Isto se estabelece em tensão com os desafios que Ivens lança ao circuito da arte. Mercado e Museus são requisitados a enfrentar pesos e dimensões incomuns, eternidade da obra ou complexidade de sua remontagem, materiais hostis ou frágeis. Ivens testa a capacidade de lidar com objetos onde se condena o tempo do artista a se materializar na sensibilidade e razão. Saber conviver com estas obras é atravessar o umbral do conhecimento que propiciam. É saber arte naquilo que o míope vê trambolhos.
Enfim, o que são essas obras de Ivens Machado? Colunas que buscam sua sustentação. Objetos identificados. Coisas que reivindicam seu lugar no espaço, a atenção do olhar, a resposta do corpo. São como pousos. Trambolhos e Murunduns.
Paulo Herkenhoff
Texto publicado originalmente em encarte especial da revista Módulo, no 84, Rio de Janeiro, 1985.