Waltercio Caldas
Waltercio Caldas
1946 - Rio de Janeiro | Brasil
Vive e trabalha no Rio de Janeiro, Brasil.
Waltércio Caldas é um artista multifacetado, reconhecido por sua atuação como escultor, desenhista e cenógrafo. Formado sob a orientação de Ivan Serpa no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, suas obras iniciais, na década de 1970, exploram a inserção de objetos cotidianos em estojos cuidadosamente elaborados, uma estratégia que o consagrou como innovador do conceito de arte como um meio de reflexão. A partir de 1969, sua criação se destaca com os "Condutores de Percepção" e prossegue com sua bem-sucedida participação em salões e exposições, culminando em projetos como "O ar mais próximo", que desafia as fronteiras do visível, e "Escultura para o Rio", que realça sua habilidade em mobilizar o espaço público.
Reconhecido com o Prêmio Mário Pedrosa, Caldas instiga a tensão entre a arte e o cotidiano, criando intervenções que provocam desorientação psíquica no espectador. Através de uma estética minimalista e uma abordagem conceitual, suas obras interpelam o modo como percebemos a realidade, gerando um estado de suspensão que instiga reflexões profundas sobre a natureza da arte. Com um traço distintivo que combina rigor e ambiguidade, seu trabalho é uma ode à complexidade visual, encorajando o público a questionar o habitual e a pensar criticamente sobre as experiências que o cercam.
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10.Mai.2023 - 05.Ago.2023
Anita Schwartz XXV
A exposição Anita Schwartz XXV é uma celebração aos 25 anos de aniversário da galeria, onde essa história é contada a partir dos artistas e suas obras. A pesquisa curatorial percorreu o arquivo da galeria, fundada em 1998, em busca de imagens e textos críticos das exposições, feiras e publicações, com o intuito de construir uma linguagem possível sobre as experiências artísticas que moldaram o seu programa.
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06.Set.2022 - 29.Out.2022
KLANGFARBENMELODIE: melodia de timbres
O título da exposição faz referência à palavra alemã que nomeia a técnica musical inaugurada por Arnold Schoenberg em 1911, integrante do movimento da Segunda Escola de Viena; traduzida no Brasil no conceito da "melodia de timbres", pelo poeta concreto Augusto de Campos, quem desenvolveu Poetamenos, uma série de seis poemas plurilíngues e policromáticos publicados a partir de 1952-53.
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20.Jun.2021 - 15.Ago.2021
Percurssos
"A exposição Percursos é fruto de diferentes momentos e produções artísticas que fazem parte da história da galeria. Dialogam juntos trabalhos do acervo e de artistas representados, que datam da década de 60 até os dias atuais, entre pinturas, esculturas, fotografias e desenhos."
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23.Jan.2019 - 31.Mar.2019
Visitas ao Acervo 2
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05.Nov.2015 - 06.Fev.2016
Silêncio impuro
Anita Schwartz Galeria de Arte apresenta, a partir do dia 4 de novembro para convidados e do dia seguinte para o público, a exposição “Silêncio impuro”, com 16 obras dos artistas Artur Lescher, Cadu, Carla Guagliardi, Nuno Ramos, Otavio Schipper, Tatiana Blass e Waltercio Caldas. “Nessa mostra o som é um índice, pois as obras operam com o seu lado negativo no qual ele (som) é silenciado. O que existe, ou melhor, aquilo que se expande pelo espaço é a imagem do som, isto é, as mais distintas suposições que podemos ter sobre qual som poderia ser ouvido se finalmente aquilo que o impede (uma amarra, uma solda, ou ainda o livre entendimento de que a obra possa ser compreendida também como uma partitura) fosse revelado ou reinterpretado”, explica o curador Felipe Scovino.
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05.Fev.2015 - 14.Mar.2015
A primeira do ano – Pequenos formatos
Anita Schwartz Galeria de Arte, apresenta a exposição "A primeira do ano - Pequenos Formatos", com cerca de 50 obras inéditas e recentes de 22 artistas, como Abraham Palatnik, Ana Holck, Angelo Venosa, Bruno Vilela, Carla Guagliardi, Claudia Bakker, Daisy Xavier, Estela Sokol, Everardo Miranda, Gustavo Speridião, José Paulo, Maria Lynch, Niura Bellavinha, Nuno Ramos, Otavio Schipper, Rochelle Costi, Thomas Florschuetz, Waltercio Caldas, Wanda Pimentel, entre outros.
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16.Mai.2014 - 05.Jul.2014
Matriz e desconstrução
Anita Schwartz Galeria de Arte apresenta, a partir de 15 de maio de 2014, para convidados, e do dia seguinte para o público, a exposição “Matriz e Desconstrução”, que ocupará todo o espaço expositivo do edifício, com curadoria da crítica de arte Luisa Duarte, que selecionou trabalhos dos artistas Adriano Costa, Ana Holck, Angelo Venosa, Carla Guagliardi, Daisy Xavier, Gustavo Speridião, Waltercio Caldas, Wagner Morales, Nuno Ramos e Matheus Rocha Pitta.
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13.Fev.2014 - 12.Abr.2014
Éter
Anita Schwartz Galeria de Arte apresenta, a partir de 12 de fevereiro de 2014 para convidados, e do dia seguinte para o público, a exposição coletiva “Éter”, com 24 obras de 17 artistas representados pela galeria, sendo três delas – dos artistas Gustavo Speridião e Otávio Schipper – inéditas. As demais obras foram produzidas entre 1999 e 2013, em diferentes técnicas e suportes, como pintura, desenho, escultura, instalação e site specific.
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27.Out.2011 - 07.Jan.2012
Em torno da escultura
Anita Schwartz Galeria de Arte apresenta a partir de 26 de outubro para convidados, e do dia seguinte para o público, a exposição “Em torno da escultura”, que ocupará todo o espaço expositivo da galeria com 18 obras, sendo algumas inéditas, de importantes artistas do acervo, tendo como enfoque a escultura e outras linguagens que exploram a tridimensionalidade. Com curadoria de Guilherme Bueno, a mostra terá obras de Ana Holck, Ana Linnemann, Angelo Venosa, Antonio Manuel, Artur Lescher, Carla Guagliardi, Carlos Bevilacqua, Daisy Xavier, Estela Sokol, Felipe Cohen, Gonçalo Ivo, Gustavo Speridião, Ivens Machado, Otavio Schipper, Romano e Waltercio Caldas.
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24.Nov.2010 - 01.Mar.2011
Desenhos & Diálogos
O acervo da galeria Anita Schwartz, em mostra de desenhos, revela diálogos entre processos artísticos, por intermédio de técnicas e materiais, no jogo de superfícies, tramas, linhas, formas e cor. O desenho enquanto um jogo pensado para estruturar uma escrita, como definiria Jacques Derrida, um vir-a-ser-imotivado do símbolo, reconstitui as mais remotas investigações da arte, quanto as possibilidades com os limites de ver, representar e interpretar as coisas do mundo pelo olhar diverso de cada um. É com este olhar que as obras dos artistas do acervo Anita Schwartz, agrupados em Diálogos, nos favorecem encontros com a leitura da arte. Para complementar estas leituras serão apresentados no contêiner da galeria Vídeos realizados pelo Canal Brasil, do Programa Catálogo, dirigido por Marcos Ribeiro, sobre os processos artísticos onde estarão expostos os processos de Daniel Feingold, Wanda Pimentel, Ana Holk, Carlos Zilio, Marco Veloso, Niura Bellavinha, Gonçalo Ivo, Suzana Queiroga e Ivens Machado.
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15.Set.2010 - 13.Nov.2010
Waltercio Caldas
Anita Schwartz Galeria tem o prazer de apresentar a exposição individual do artista Waltercio Caldas, que ocupará todo o espaço expositivo da galeria com esculturas de grande e médio porte e trabalhos em papel, todos recentes e inéditos, a partir do dia 15 de setembro, para convidados, e do dia seguinte para o público.
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Estados de imagem
Ligia Canongia - Estados de imagem
1/5/2001Ver não é
Ver é onde.
Macia metamorfose
Na pele dos sinais.Waltercio Caldas
Uma retrospectiva de quinze anos de trabalho – recorde de uma carreira que já soma mais de trinta anos – não significa uma acumulação de obras com vistas a criar um panorama quantitativo ou a explicitar uma listagem de técnicas, procedimentos e idéias. Isso seria reduzir a produção do artista a um repertório classificável e inerte, longe de suas inquietações e de sua vitalidade.
O que esta exposição propõe não pode ser confundido com algo que suponha um processo “evolutivo”, como se as coisas saíssem necessariamente umas das outras, legitimando uma “coerência” fácil e previsível. Embora o trabalho de Waltercio Caldas possua uma lógica irrefutável, essa lógica não é reconhecível por simples encadeamento cronológico, mas através de relações que se entrelaçam em tempos distintos, ora avançando, ora recuando, em processo de recorrência interior permanente. O que nos permite estabelecer conexões entre obras de períodos diferentes, como Aparelho de Arte, de 1978, e a Série Veneza, de 1997, debruçadas sobre a superposição de camadas de espaço e de tempo.
Essa exposição é uma síntese “viva”, que vai nos permitir penetrar na “natureza dos jogos”, de Waltercio, jogos que se formulam por enigmas, por deslizamentos de sentido, por “acontecimentos”. E “acontecer”, etimologicamente, significa descobrir com o olhar, despertar com o olhar. Não sem motivos, um dos aspectos singulares da obra do artista é investigar as possibilidades desse olhar, um olhar-prelúdio das próprias coisas, capaz de perceber, em ato simultâneo, o aparecer e o desaparecer: “absorver com os olhos uma nitidez recém-chegada”(1).
Pode parecer estranho, mas, para falar da escultura de Waltercio Caldas, gostaríamos de voltar à pintura de Cézanne.
O que queria Cézanne pintar? O que tanto o angustiava? Cézanne queria tão somente tornar tangível e visível algo que fluía por entre as coisas; queria ir além das representações estáticas e dos arquétipos, para encontrar o pulsar vivo do mundo, a existência móvel, turva e volátil da natureza.
Talvez Cézanne perseguisse a velocidade da visão através da natureza; ou, inversamente, a velocidade da natureza percebida pelos olhos. Era, enfim, a troca, as extensões e os limites dessa troca – entre o que vê e o que é visto – o que interessava ao grande mestre. Apesar da solidez de suas figuras, não era a casa, a árvore, a pedra, os volumes que interessavam, mas a reciprocidade de todas as coisas no ambiente, a forma como interagem, como se atingem, como se alteram umas às outras, quando as percebemos no movimento de seus fluxos e na precipitação de nosso olhar.
Tudo o que Cézanne deu a ver pode ser condensado nessa vontade alucinada de representar o “irrepresentável”, de tornar o presente aquilo que não se apresenta com tangibilidade imediata, tudo o que flui fisicamente, todos os elementos que nos fazem perceber, sem que os percebamos: o ar, o movimento, o tempo, elementos etéreos que trafegam através e entre os corpos. Cézanne pensou o espaço, tentou mergulhar na natureza dos espaços e dos vazios, para compreender a ordem de sua interferência sobre a realidade física dos volumes e dos objetos concretos do mundo.
O esforço da pintura moderna, afinal, foi este: transferir o interesse da técnica ou da matéria para a questão ótica, que se exaure nos limites do olhar. Mas, o curioso é que, à época, a busca da pintura por tornar-se fundamentalmente ótica tinha por pano de fundo o seu distanciamento do campo escultórico, intrinsecamente ligado aos volumes e às relações táteis. Foi justo para eliminar as reminiscências esculturais que a pintura assumiu a baliza ótica e a superfície.
O destino, porém, foi irônico, e fez com que a escultura, ela também, se remetesse ao mesmo caminho e fosse se tornando cada vez mais superficial, imaterial, incorpórea. Uma escultura de Gabo, nesse sentido, equivalia a uma pintura de Mondrian.
Waltercio Caldas tem dito que talvez uma das principais “matérias” de seu trabalho, nos últimos tempos, tem sido a história da arte. Não a história da arte como uma cadeia fechada de formas e de sentidos, mas como potencial de re-significação permanente, aberta a outras e produtivas recorrências: “a história da arte como uma dinâmica de significação e não uma passagem no tempo” (2). Heidegger diz que “o que quer que pensemos e qualquer que seja a maneira como procuramos pensar, sempre nos movimentamos no âmbito da tradição. Ela impera quando nos liberta do pensamento que olha para trás, e nos liberta para um pensamento do futuro, que não é mais planificação. Mas, somente se nos voltarmos pensando para o já pensado, seremos convocados para o que ainda está para ser pensado” (3).
Esse raciocínio parece “libertar” Waltercio para revisitar o passado da arte, em outros mestres, e em sua própria obra. Sem cair nas planificações que reduzem tudo ao “mesmo”, o artista reflete sobre a tradição e o já feito, como “matéria” para o que ainda virá: o passado como fonte para o devir.
Se voltarmos, portanto, a Cézanne, é para estabelecer esse link possível entre épocas, gêneros e práticas diferentes, mas que se interligam produtiva e poeticamente no tempo. Como Cézanne, Waltercio quer dar a ver o invisível: a fluência entre as matérias, a reciprocidade entre os corpos e o vazio, a luz, o trajeto, as distâncias, tudo o que “entra por debaixo da porta” (4).
Certa vez, ele criou uma metáfora delicada e precisa para falar dessa vontade de perscrutar o impercebível. Perguntava se seríamos capazes de “ver” certas metamorfoses dos objetos. Por exemplo, uma flor. Sabemos que ela está constantemente crescendo e se modificando, mas não podemos ver o movimento que acontece ali. Esse movimento invisível, em ação física e permanente, tem realidade de fato, orgânica, dinâmica, mas não tangível. É latência e não evidência. E essa seria uma questão interessante, porque é aí, na tênue existência de uma materialidade impalpável, mas vibrante, no puro movimento, que a obra de Waltercio Caldas se faz, estruturando-se com e a partir dessas realidades indeléveis.
No trabalho de Waltercio, a materialidade desvanece, a coisa passa para “o outro lado”, onde obra e espaço se estabelecem reciprocamente, onde o corpo equivale à sua própria sombra. Nele, o vazio é estrutura, como já o fora no passado para a escultura de Franz Weissmann, principalmente nas que eram puras linhas, desenhando o mundo. De certa forma, inclusive, a obra de ambos guarda semelhanças de delicadeza e elegância.
As esculturas de Waltercio aderem ao espaço, querem que a forma se ajuste à fluência e à intangibilidade do ar. Mas, apesar da maioria das peças possuir pouca massa, apesar da fineza de suas linhas e da sutileza desses quase-corpos / quase-gás, elas mantêm uma concentração impressionante. É como se o espaço-entre, o espaço-fora, o ar, preenchessem em nosso imaginário o lugar do volume, emprestando ao espaço uma dimensão “volumétrica fantasmática”.
Waltercio trata o espaço como tempo. Ou vice-versa. A instauração física de seus objetos no espaço dá-se com a mesma fugacidade temporal com que o percebemos. Assim como a matéria se desvanece e se enxuga até tornar-se quase vestígio de si mesma, quase sombra de um corpo, assim também o tempo de sua atuação conforma-se em ser instante, fração mínima de permanência.
Mas, se a mirada possível que os objetos nos oferecem, em sua breve e intangível presença, é efêmera, ela se converte, ao contrário, em imagem poderosa e renitente em nossa memória. Com aquele lance mínimo – um nada -, tudo se esclarece e ganha contornos, talvez porque o prenúncio já seja a própria “coisa”, todo o sentido; talvez porque aqueles objetos queiram ser tão-somente “peles de sinais”.
As esculturas dissolvem-se no espaço como a mostrar seus últimos momentos, ou, ao contrário, como a mostrar o seu brotar no espaço, com a aparição de seus primeiros perfis. Vão e vêm, incessantemente, sem definição absoluta no espaço, sem estabilidade fixa no tempo; momentos de passagem. Waltercio é um artista cujo olhar persegue, na natureza e na história, a inefabilidade do espaço e do tempo. Tenta, em seus objetos – rastros sutis de presença -, congelar uma parcela mínima da percepção, para que possamos ter a rápida e inteira sensação daquilo que nos envolve: a consciência momentânea, física e mental, do ar.
Com precisão dos sábios e dos profetas, o artista é sempre aquele que nos leva, simultaneamente, ao óbvio e ao mágico, aos fenômenos e às dúvidas. Waltercio vai ao limite das coisas, de sua aparição a seu esquecimento, onde o invisível inventa um lugar.
Mas, o lugar da escultura de Waltercio Caldas não se define, porque vagueia na troca com o vazio, apenas pontuando os ritmos dessa troca, traçando pontos e linhas que rastreiam esse fluxo. Os clássicos queriam a massa; os modernos, a superfície; Waltercio, a linha e o ar. Sua obra parece ser um momento repentino, um lapso, em que o espaço se deixa “desenhar” brevemente, uma materialização apreendida em velocidade. Ela é esse instante permeável ao espaço, fugaz e precisa, um corte cirúrgico no vazio. “O sentido: fazer constar nos objetos sua capacidade inicial de aparecer” (5).
O que os trabalhos fazem é mobilizar o espaço na sua completude, interagindo forma e vazio como um só tecido, movendo-se na mesma fluência. Para isso, é necessário que a matéria se volatilize, que o olhar do espectador, ao buscar o objeto, encontre o espaço e, inversamente, ao procurar o espaço, defronte-se com o objeto. Eles se auto-demandam mutuamente, querem ter a mesma qualidade física, pertencer ao mundo imaterial das abstrações puras. Como o crescimento das flores, são mais latências que evidência, são energias.
O interesse de Waltercio está no “olhar intermediário”, aquele que se apercebe da fração, do relance, da rápida ocorrência visual que acontece entre o olho e o alvo propriamente dito a que se dirige. Em seu texto “Prefácio”, escrito para o livro Manual da Ciência Popular, ele ironiza e diz: “(...) enfrentemos, portanto, as dificuldades do caminho, nunca nos esquecendo que uma das mais curiosas características da arte é que sua aparência, em muitos casos, tende a ser transparência. J. Johns, um artista americano, diz que não suporta usar óculos pois não consegue abstrair os aros, atitude típica de quem não ignora o que é “olhar intermediário” (6).
Suas esculturas não querem ser, portanto, o alvo, mas a materialidade efêmera dessa outra potência espacial intermediária, que vemos num jato de visão, que vislumbramos, mais do que vemos. É esse vislumbre de “coisa”, de “coisa” já toda imiscuída de espaço, é essa “coisa-espaço” que o trabalho propõe: uma faísca visível, tão próxima, nos parece aqui, das chamas de Yves Klein. O problema é que toda atividade mental que se pretende exprimir por imagens precisa de uma forma. Mas Waltercio quer que a forma tenha a imaterialidade da própria imagem. Ele busca, sem dúvida, uma visibilidade real para a imagem, o que é, em si, um paradoxo.
Mantém, assim, no mundo concreto de seus objetos, uma natureza ainda intrinsecamente imaterial, mental, sem fisicalidade e sem corpo, como é a natureza do mundo das imagens. O sentido é fazer algo invisível aparecer, mas aparecer tão fugaz e momentaneamente, que pudéssemos, num piscar de olhos, perder a sua forma, esquecer o seu contorno.
Historicamente, alguns filósofos separavam imagem e pensamento, dando à imagem estatuto de “coisa”, corporal e material. A imagem era vista ainda como um estado do corpo, um mundo de idéias confusas, distinto do mundo da razão. Outros já admitiam que a imagem pudesse ser penetrada por intelectualidade, mas ainda insistindo no caráter mecânico de suas associações, que podiam forjar idéias falsas. Sartre talvez tenha sido o primeiro a fazer a diferença entre a existência como coisa e a existência como imagem. E nos dá um exemplo simples, quase didático, dessa diferença, falando da folha de papel em branco, quando vista, em presença material, e a folha branca que é “lembrada” e que adquire ali (quando não se desfruta mais de sua presença), uma “identidade de essência”. Nesse momento, “ela não existe mais de fato, existe em imagem” (7), algo portanto diverso de uma presença. Sartre diz que a imagem é uma forma de consciência da coisa, e que, assim, o pensamento penetra profundamente a imagem.
A obra de Waltercio Caldas circula possivelmente em torno dessas questões. Tenta fazer com que o próprio objeto assuma a feição dessa “folha branca lembrada”, que seria, essencialmente, a coisa como mero vestígio de si mesma, reconduzida à condição pura de imagem. E, não seria a imagem uma “pele de presença”? O trabalho de arte não seria tentar tornar essa “pele” tangível? Ao propor questionamentos dessa ordem, o trabalho de Waltercio legitima o pensamento sartriano de que a imagem, sobretudo quando lidamos com a imagem estética, carrega, sim, ao se formular, uma potência intelectual.
Mas, Waltercio não “demonstra”, não “responde”, não pontifica verdades, deixando vagar no espaço cognitivo as mesmas dúvidas que a obra, como “coisa” coloca no ambiente natural. Afinal, não seria pertinente à natureza da imagem viver da sua condição de dúvida? E é, com certo ceticismo, aquele que seu humor tão finamente deixa transparecer, que o artista enfrenta os desafios da certeza. “Há uma dúvida que pertence à clareza” (8). Não sem motivos o crítico Paulo Sérgio Duarte fala do trabalho de Waltercio como uma “dúvida feliz”, em que a novidade seria sempre o seu “resíduo cético”. Diz ele: “negando o culto da imagem e a falsa generosidade desse universo farto de figuras e pobre em raciocínio, as esculturas de Waltercio trazem na sua ascese uma sutil dose de humor da qual deriva o prazer” (9).
Waltercio Caldas lança problemas acerca da produção da imagem no mundo contemporâneo, do papel que ainda pode desempenhar no âmbito espiritual do homem e, de certa forma, ri da proliferação caudalosa das imagens nas sociedades de hoje. Reserva-se, pois, na discrição de uma economia formal extrema, esquiva e enigmática, em que apenas “existe o olhar ao revés” (10).
Como ele costuma dizer, esse olhar ao revés é aquele que não vê o objeto na ida, mas na volta. Porque se trata de um objeto-espelho, arredio na sua transparência, que se exaure antes de se deixar reter. Um objeto que apenas “roça o mundo” (11), que não se eterniza, não tem nome. O nome que ele persegue é para o lugar entre as coisas, para o lugar silencioso do repouso das coisas, ali onde elas estão resguardadas pela distância. Para Waltercio, “o mais belo na arte é que o lá-não-está” (12). Se somente a distância pode preservar a identidade dos objetos, é ela que interessa como “objeto” do olhar. Esse espaço “entre”, fugidio e vaporoso que leva o artista a buscar materiais equivalentes, como o vidro, o álcool, espelhos e superfícies altamente polidas, resvala o tempo todo, expande-se e recua, propaga-se e concentra-se, dissemina-se e recolhe-se. É um espaço que penetra o trabalho e por ele é penetrado, confundindo-se em mútua e constante fluência. Por isso, a imagem não é senão um “estado de imagem” provisório, que se renova a cada mirada, como se sempre a estivéssemos vendo pela primeira vez, e nunca víssemos completamente.
E não a vemos completamente nem quando fotografada, pois é justo nessa circunstancia que a imagem mais se furta à apropriação. Por ter a máquina fotográfica a possibilidade de ver por um olho só – o da lente -, ela achata a profundidade, solidifica a ambiência, congela o ar. E se a obra, como a de Waltercio, afirma esse espaço como sua condição “material”, eis o problema. A fotografia trai o trabalho, torna infiel a sua reprodução, suspende aquela “pele de presença”, que é quase e tão-somente um pronuncio de coisa, uma semicoisa. O espacial, em Waltercio,confunde-se com o espiritual; é da ordem de uma freqüência impalpável e poética, que a maquina não registra, ou registra em estado estático, sem alma. Dizem que, no surgimento da fotografia, as pessoas temiam se deixar fotografar com mede que o retrato lhes roubasse a alma. Devido ao automatismo de sua gênese técnica e, principalmente, pelo corte definitivo que efetua sobre o real, a fotografia interrompe, imobiliza e isola uma fatia do espaço-tempo. “O curso, a corrida, o Tempo não têm validade aos olhos da fotografia” (13). E, por ser um corte radical na continuidade, na duração e na extensão, a foto distorce o processo de inscrição da imagem de Waltercio Caldas, toda ela expansão e mobilidade. Ao mundo da fotografia, “congelada na interminável duração das estátuas” (14), a obra do artista contrapõe a fluência temporal e o mundo instável, furtando-se claramente ao cut que a separa do fio do tempo e de sua anima. Um trabalho que se oferece como “instante de passagem” não poderia se deixar abater por esse “instante perpétuo” da “morte” fotográfica.
Já em 1976, com o Dado no Gelo, Waltercio fazia uma formulação gráfica de extremo requinte e inteligência a esse respeito. Criada para subsistir apenas como reprodução, a imagem é um comentário mordaz à eternidade fotográfica. O dado congelado, como “coisa” real, só permanece nesse estado pelo curto prazo da solidificação da água, sendo, inclusive, um dos “objetos” mais fugazes da obra do artista. Esse objeto-coisa, vivo, ou ao vivo, termina quando da liquefação do gelo. A sua sobrevida, que coincide, ironicamente, com a sua morte como objeto, só é garantida pela fotografia. A reprodução fotográfica o faz “ressuscitar”, mas, paradoxalmente, é esse o momento em que ele se “solidifica”, congelando aí, inclusive, a possibilidade do “jogo”. O dado surge como elemento da sorte, do destino, da vida; morto (como “coisa”) e eternizado (como imagem) pelo registro da máquina.
Mas é preciso dizer que esse renascimento fotográfico da coisa como imagem é fruto especifico desse trabalho, pensado exatamente para funcionar num meio gráfico e como metáfora do processo de reprodução, que petrifica a “vida” dos objetos. Aqui, Waltercio ironiza, ao mesmo tempo em que realiza justamente aquilo que teme: o congelamento na superfície fotográfica da pulsão original de suas esculturas.
As transparências, os espelhos, as formas aéreas e transitórias da maioria de suas peças resvalam, suspendem a noção eternizada do mundo. E isso ainda nos leva a pensar o quão distante Waltercio está dos clássicos, da harmonia segura de suas formas. A harmonia e o equilíbrio são agora de outra natureza, e podem estar no vértice dos estados de suspensão, nesses atos constantes de passagem, na leveza de objetos e palavras apenas sussurrados, longe do “espelho neutro” da reprodução. A obra de Waltercio Caldas “olha ao revés”, desconfia da realidade e da cópia, mantendo-se indevassável, porque ar.
Esta exposição, resumo dos últimos quinze anos da produção do artista, certamente nos levará ao encontro de uma especialidade e de um tempo que “perdemos” seguidamente na velocidade cega de nosso cotidiano. É preciso certa disponibilidade ao silencio e à “ruminação” desses objetos, para chegar a penetrá-los. O artista costuma mesmo dizer que “os objetos têm um tempo infinitamente mais lento do que o nosso”. Os insights podem ocorrer com a rapidez de um tiro, mas a reflexão meditativa e calma, que circunda a sua poética tão confiante e extraordinária, só poderia acontecer longo do afã das ansiedades.
É curioso que, na mesma busca por apreender as vicissitudes do Espaço e do Tempo, a obra cubista, por exemplo, e a de Waltercio Caldas se distanciem tanto. A primeira imprimiu claramente a sua angústia diante da tarefa, fazendo com que esse espaço-tempo se tornasse convulso e fragmentado, como se apenas a soma de “recortes” pudesse nos dar a completude do real; a segunda, com menos ruído e mais diligência, chega à realidade das coisas com a clareza que elas têm, sem precisar “destruí-las”, apenas realçando o seu entrelaçamento com o ar. Será preciso, portanto, que, aqui, o espectador se mova, ele também, como um véu que flana lenta e cuidadosamente pelo ambiente, na poeira das coisas, mas com o olhar imantado, febril e aceso para as brechas do mundo.
Referencias Bibliográficas
1, 4, 5, 8, 10, 11 e 12 – Escritos do artista.
2 e 15 – Extratos de entrevista do artista a Lígia Canongia, em catálogo da exposição de Waltercio Caldas: “A série Veneza”, Centro Cultural Light, Rio de Janeiro, 1998.
3. Heidegger, Martin. O Principio da identidade, col. Os Pensadores, Abril Cultural, São Paulo, 1973.
6. Caldas, Waltercio, “Prefácio”, em Manual da ciência popular, Funarte, Rio de Janeiro, 1982.
7. Sartre, Jean-Paul, A Imaginação, col. Os Pensadores, Abril Cultural, São Paulo, 1973.
9. Duarte, Paulo Sérgio. “Interrogações construtivas”, em catálogo da exposição “Waltercio Caldas”, Gabinete de Arte Raquel Arnaud, São Paulo, 1994.
13 e 14 Dubois, Phillipe. O ato fotográfico, Papirus, São Paulo, 1994.
Texto originalmente publicado no livro Waltercio Caldas 1985 – 2000, Centro cultural do Banco do Brasil.
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