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Maria Lynch A Dobra Palco, Rizomas e Selvageria

Anita Schwartz Galeria de Arte apresenta, a partir do dia 25 de março para convidados e do dia seguinte para o público, a exposição “A Dobra Palco, Rizomas e Selvageria”, da artista carioca Maria Lynch. O chão do grande salão térreo da galeria, que tem 140 metros quadrados de área, será inteiramente coberto com pipoca, que será fabricada pela artista na própria galeria. Neste espaço, serão apresentadas doze obras inéditas, produzidas este ano especialmente para esta exposição – sete pinturas em grande formato e seis esculturas. A mostra será acompanhada de uma entrevista com a curadora Luisa Duarte.

“Um cenário, um ambiente, uma cena; pipoca vira adereço no chão, vira sonoplastia, o espectador pisa, não come. Participa ao entrar, o papel do entertainment é sensorialmente alterado”, diz Maria Lynch.

DE 16.Mar.2015 A 09.Mai.2015

Leia o texto da Exposição

Entrevista realizada em março de 2015, entre Luisa Duarte e Maria Lynch por ocasião da mostra da artista “A dobra palco, rizomas e selvageria”, na Galeria Anita Schwartz, Rio de Janeiro.

 

LD: O título desta mostra – "A dobra palco, rizomas e selvageria" – é bastante eloquente. O palco estaria aí como um limite entre realidade e ficção. O rizoma evoca uma espécie de resistência ao esquema hierárquico na construção de conhecimento. Tentando ir passo a passo, a selvageria estaria presente no encontro insuspeito de uma estética quase kitsch, um apelo ao universo infantil, bem como a um registro do feminino e do erotismo. Fale-nos um pouco sobre como o título traduz ou adiciona sentido no que vemos na exposição?

ML: Referências a Deleuze como o rizoma e a dobra são ideias ao redor do contágio que me interessam; o meu trabalho navega com isso, uma coisa que evoca outra desde a multiplicidade, a singularidade, a sinestesia. Em todos os títulos das minhas exposições, desde a minha primeira individual para a qual você escreveu (“Retalhos”, Galeria Cândido Mendes, 2006), faço referências a Deleuze que, para mim, é o filósofo que mais dialoga com a minha forma de pensar, influenciada pela ideia de pensamento do fora. O registro afetivo é central. O Carnaval, a celebração, o excesso, a abundância, o prazer, tudo isso contamina meu trabalho – a alegria é a força maior. Crio uma lógica do deslumbre, com a celebração de cores que inebriam. Instaura-se uma ficção que permite romper com as condições de ideias preestabelecidas. Trata-se de levar o imaginário, o palco, a cena, a ilusão, a dobra no tempo, que é esse rompimento do espaço-tempo, que o cinema e o teatro estabelecem. Evoco aqui a ideia de duração presente na obra do filósofo Henri Bergson.

 

LD: A experiência de imersão proposta para a presente exposição vem acompanhada das pinturas que, a princípio, exigiriam um tempo mais dilatado de contemplação. Como você enxerga a simultaneidade de um tempo de ação provocado pela instalação que solicita uma troca com o outro e a demanda mais lenta e atenta pedida pelas pinturas? O uso da pipoca cobrindo o chão do espaço expositivo sinaliza não só uma relação das suas obras com questões da infância, mas faz alusão também ao universo cinematográfico de alguma forma, concorda? Há um desejo de que o espectador absorva sua obra como se percorresse um espaço ficcional?

ML: Intencionalmente provoco o convívio entre pipoca e pintura, que se desdobra em um registro absurdo que me agrada. A combinação é estranha, questionando a posição de quem vivencia a obra. Imagino pessoas deitando na pipoca, ao invés de comê-las, rindo, olhando para as pinturas como uma cena parada, e quem sabe até enxergando-se dentro delas. Esse dilatamento da pintura é o que vem me interessando. Trata-se de provocar o pensamento sensorialmente. Eu acho que a gente pensa com o corpo. Eu acredito que o pensamento para funcionar requer encontros e precisa ser um pouco violentado, trata-se do pensamento como potência.

 

LD: A obra BarbieMe consiste em cinco bonecas de tamanho real – que têm a sua altura – com corpo de Barbie, mas com o “seu” rosto. São figuras que voltam a evocar a infância, mas também a feminilidade, o movimento, a dança. Fale-nos sobre esse trabalho pensado na última hora para a exposição.

ML: Sim são Barbies “reais”, por assim dizer. Eu me personifico, eu, a artista, me torno obra. Existem aí várias referências e críticas; eu artista de plástico, a boneca. A Barbie é o símbolo das mulheres idealizadas, questão que já abordo há um tempo como referências desses fantasmas, dessa conspiração por um ideal, mas ao mesmo tempo está ali a artista que usa sua potência e se coloca no lugar da Barbie, invertendo os papéis. Trata-se da arte como superfície para apontar direcionamentos do que virou a própria arte. Trata-se de uma crítica e uma afirmação também.

 

LD: Maria, sua obra passou por diferentes fases ao longo dos últimos dez anos. Das pinturas gestuais, que caminhavam entre a abstração e o figurativo, passamos para uma produção pictórica em que a figura torna-se mais clara e as cores ainda mais estridentes. Mais recentemente o trabalho passou a ganhar o espaço, com esculturas e instalações de caráter imersivo. Fale um pouco sobre como se deu essa série de transições e qual o fio condutor que une a pintura e o que encontra morada em outras linguagens?

ML: Esse desdobramento da necessidade de criar uma espécie de abrigo imaginário, um universo próprio, de afirmar as minhas dúvidas e as entidades que me fazem ter certo gozo. A obra foi ganhando esse trajeto “desdobrático” e múltiplo. No início, eu podia criar esse campo na pintura, depois esse espaço entrou na esfera física. Passei a me interessar mais pelo alcance do sensorial, o corpo que é afetado, que provoca a ideia. Nesta exposição eu exploro ambos: a pintura instalativa e elementos imersivos que criam esse território de experiência.

 

LD: Nas suas primeiras pinturas víamos a escolha por uma paleta de cores mais sóbria, de tons opacos. Em seus trabalhos mais recentes fica evidente a escolha por uma paleta quente, vibrante, que surge de forma estridente para o olhar. Como você pensa essa transição cromática em suas telas? Há uma dimensão hiperextrovertida que pode vir até a causar um grau de estranheza e repulsa no espectador, você concorda? Que efeitos exatamente você busca ao apontar para esse extremo cromático? 

ML: Essa ambiguidade e repulsa são duas das principais reações que tento provocar. Na cor habitam o poder do contraste e a estranheza; muitas vezes eles não combinam, mas não perdem o seu poder de vibração. Isso vem muito da influência que o uso dos tecidos para a realização das esculturas me trouxe.

 

LD: A memória, o retorno à infância, a dimensão lúdica, a perversão da racionalidade em um grande teatro que flerta com o surrealismo são elementos presentes em sua obra como um todo e mais especificamente nesta exposição. Fale-nos sobre a sua obsessão em relação a temas como a infância e a memória.

ML: Para responder essa pergunta eu preciso retornar a Deleuze, cuja obra marcou minha vida e o meu percurso. Identifico-me muito com a ideia de nomadismo, uma espécie de “transvaloração”. Eu sempre duvidei muito, desde pequena, da construção da racionalidade e da lei, da cultura, do Estado, o que transformou a minha avaliação afetiva em meu eixo. Esse fio condutor tem uma forte conexão com a liberdade da infância, momento que precede aquele em que nos tornamos seres adestrados. Acho que isso está no meu trabalho, não há identidade e sim devires. Sempre busco manter essas ambiguidades, recusando respostas fechadas.

 

LD: Já foi escrito que a sua obra pode ser associada às cores de Matisse, ao registro fauve de Gauguin e, para falar de um nome mais próximo, às figuras híbridas de Janaina Tschape. Quais são as influências mais importantes para o seu processo de criação?

ML: Todos esses nomes citados têm uma liberdade que me interessa, seja nas cores, na fantasia, na abordagem lúdica. Cada artista criando seu caldeirão de assuntos e pertinências. Eu geralmente me identifico com trabalhos que lidam até mais com uma ficção radical e que costuram tópicos diversos, como os de Pierre Huyghe, Matthew Barney, Alejandro Jodorowsky (cineasta), Brian Eno e Coco Rosie (músicos).

 

LD: A arte contemporânea vive hoje um tempo de forte vínculo com o contexto social e político no qual está inserida. Como você enxerga a sua obra nesse universo, realizando um trabalho com pesquisa que passa ao largo de referências ao “real”? Sabemos que a arte pode ser política sem ter de necessariamente evocar um "tema" político... Mas de toda maneira acho que vale a reflexão.

ML: O modo pelo qual eu entendo política, que de fato me interessa, seria aquele que faz pensar sobre como governar a si mesmo. Essa cultura que temos hoje é um projeto que falhou, ao invés de produzir guerreiros, produz seres domesticados e obedientes, o que não me interessa em absoluto. Política para mim é outra coisa. É acumular força, é a criação de um novo modo de vida, errante, nômade, seja lá como se quiser chamar. Eu estou aqui criando meus aforismas audiovisuais e cuidando dos meus prazeres, pensando em possibilidades de não ser capturada pela má consciência (neurose) que é produzida por aí. Para Nietzsche, a destruição é a condição da criação.

 

 

Luisa Duarte é crítica de arte e curadora independente