Carlos Zilio
Para marcar a inauguração de seu novo espaço no Rio de Janeiro – um prédio de três andares com cerca de 700 metros quadrados, na Gávea, construído especialmente para este fim – a galerista Anita Schwartz convidou o artista Carlos Zilio, que vai expor trabalhos inéditos e recentes: 18 pinturas (feitas em 2006 e 2007) – em formatos que vão de 1,40m x 1,80m a telas maiores, de 1,40m x 2,94m – 12 desenhos (de cerca de 1,40m x 1,10m), e quatro objetos. O texto crítico é de Paulo Venâncio Filho, que observa o fato de Carlos Zilio – que completa este ano 30 anos de opção pela pintura –, depois de uma trajetória em que dialogou com mestres da história da arte, como Cézanne e Matisse, passa a comentar seu próprio trabalho, realizado ao longo deste período.
DE 03.Abr.2008 A 17.Mai.2008
O círculo pictórico
O círculo - não um círculo -, se completa; pois há um reencontro, embora não se feche. Completo e aberto, retorna ao início e prossegue adiante porque, certamente, não chegou ao fim. Completo porque atualidade e passado se superpõem; aberto porque ainda em movimento. Eis uma ocasião um tanto rara na obra de um artista. Pois esta pintura que ao longo de sua trajetória a alguns fortemente tangenciou, a tantos enfrentou, volta-se sobre si mesmo e reencontra sua própria história. Quem antes era influenciado, agora é influenciado por si mesmo, e a atualidade se revela um percurso no tempo, uma maturidade, uma possível auto-análise serena.
O artista que vinha desenhando círculos, pintando círculos, tinha que, em algum momento, voltar e reencontrar o início. De tal forma que o círculo no espaço levou a um círculo no tempo, desenhou a sua própria história, sem mesmo ser, creio, um movimento deliberado do pintor, mas das possibilidades da pintura ao final do século XX que foram enfrentadas em sua trajetória. Esta pintura que circulou, esteve aqui e ali, tocou desde as referências inciais à antropofagia, aos clássicos modernos matisseanas, cezanneanas, até a pintura americana do pós-guerra e contemporânea, por quê não voltar a si mesma no momento mesmo em que de tudo se emancipou, quando completa três décadas do início?
Não é curioso, revelador, que maçãs, caveiras são círculos, formas e metáforas do tempo? Círculos que também são coisas; coisas significativas na história da pintura e do artista. Resíduos contemporâneos de uma vanitas moderna de se fazer pintor; as ex-maçãs e caveiras cezanneanas. O que fazer agora com maçãs e caveiras já tão comsumidas? Dar-lhes nova vida, sem dúvida - agora que foram ultrapassada certas dúvidas, não todas. Sobretudo é um momento e movimento de introspecção. O círculo se expandiu e se comprimiu, para fora e para dentro, e a distenção e contração do gesto levou a outro espaço e tempo, o da história e da memória. De tal modo que os trabalhos atuais realizam essa presentificação da memória pictórica. Não são figuras quaisquer que retornam mas significantes históricos que ao longo do tempo e da obra foram se tornando íntimos, inescapáveis ao artista - inesquecíveis até, por assim dizer.
Curioso também que é no momento de sua maior liberdade gestual, o pintor se volte para figuras. Que expandindo o gesto, tão extenuamente alcançado, tinha atingido a abstração mais consumida, e levado o círculo a sua intensidade máxima, indo além do espaço da tela. Será esta força conquistada que o faz retornar não só às dificuldades do início, mas também ao convívio à vontade com a sua própria historicidade pictórica? Ou não será também uma madura disponibilidade e liberdade para uma revivência ora dramática, ora irônica. Tanto sombrias caveiras como uma ereção geométrica podem conviver no mesmo estado de espírito, irônico e angustiado. Fortes reminiscências pop e dúvida cezanneana lado a lado; autobiografia e memória superpõem-se neste momento à abstração e ao impulso gestual. Geometria, caveira ou uma simples bola de ping-pong, entre outros, dão o tom do remix de quem adentra sem mais o espaço pós-moderno. Quem viveu a tragédia, não se intimida com a farsa, nem recua diante deste novo clima inamistoso à modernidade e à pintura. Se posiciona e define para si um novo tempo histórico.
Curioso também que nesses tempos ditos pós-históricos essa pintura retorne a um privado historicismo, interrompendo, de certa maneira, uma direção de anos e anos. Oportunidade de pausa ou descanso de certos valores pictórico arduamente conquistados, até mesmo da tão característica e única monocromia. Desindentificando-se, talvez dissimulando-se para reencontrar o ambicioso programa do início que implicava, nada menos, que uma revisão histórica da pintura em seus momentos fundamentais. Empreendimento sem qualquer heroísmo nostálgico, muito mais, sem dúvida, tarefa íntima de pintor, do pintor que pode se reexaminar telescopicamente, com franqueza, surpresa e, talvez, emoção. Mais que remakes, auto-apropriações, são encontros/confrontos plástico-temporais. O Homem Construtivista Excitado, desenho de 1977, a mancha vermelha do Auto-retrato de 1973, Rubens on the beach de 1978, estão de volta, assim como outros elementos que retornam após a ruptura de 1978 entre artista e pintor. Ruptura que, na época, determinou uma transformação crítica: o razoavelmente bem sucedido artista da maleta executiva; o conceitual do trauma político iria ter que reaprender a pintar, começar do início, iniciar um novo círculo. Dito isso, parece evidente que não se trata de um caso de reconciliação, não há antagonismo entre um e outro, muito mais continuidade de posição ante a arte. Um e outro, o mesmo que hoje se vê no outro.
Temos uma nova versão de Quem Tem Medo de Verde, Amarelo, Azul e Barnett Newman?; 25 anos depois os dois pólos ainda tensionam, ainda movem o trabalho adiante. Lado a lado, hoje e ontem a mesma questão histórica ainda permanece; a nossa modernidade conquistada e insuficiente em curso avançado. História e memória, o mesmo desafio existencial/artístico continua na ordem do dia.
Círculo – ou ciclo – quando se fecha termina, quando se reencontra recomeça.
Paulo Venâncio Filho