
Dual OverDrive
Anita Schwartz Galeria de Arte apresenta a partir de 23 de maio de 2012 para convidados, e do dia seguinte para o público, a exposição “Dual Overdrive”, com obras inéditas do artista Wagner Morales, feitas especialmente para esta mostra. Nascido em São Paulo, em 1971, Wagner Morales se divide entre sua cidade natal e Paris, onde já expôs no Palais de Tokyo, no Centre Pompidou e na Fondation d’entreprise Ricard. Atuante no circuito de exposições no Brasil e no exterior, seu trabalho já foi visto também em Helsinque, Londres e Nova York.
DE 24.Mai.2012 A 30.Jun.2012
Panorama de desilusão
(Luisa Duarte)
Wagner Morales não nos oferta cinismo, mas sim um cenário seco, marcado pela descrença e negatividade.
“Dual Overdrive” é a primeira individual no Rio de Janeiro de Wagner Morales, artista paulista radicado em Paris. O título da mostra remete a um tipo de pedal usado por guitarristas com o intuito de distorcer o som. Um amplificador com um som distorcido perpassa todo o espaço expositivo.
Em uma espécie de antessala da galeria encontra-se exibida a série “Joker”, feita em parceria com a artista Beatriz Toledo. Trata-se de um conjunto de fotografias de pôsteres da última campanha presidencial francesa. Todos os candidatos estão presentes, todos, igualmente, estão com seus rostos e nomes transfigurados, alvos de gestos ora mais abstratos e ácidos, ora mais lúdicos e atravessados pelo humor, mas sempre tomados pela descrença na promessa política.
Lugar de construções ilusórias:
Ao se apropriar dessas imagens que evocam uma verve crítica e desiludida em relação à política, ocorre outro questionamento, aquele sobre o poder da imagem e da propaganda e suas estratégias visuais com a finalidade de tentar obter o nosso voto, o nosso desejo, a nossa cumplicidade, a nossa devoção, a nossa crença. As imagens cumprem estes papéis. São sempre de alguma forma “positivas”, atuam em prol de alguma coisa e, como faz parte da natureza da fotografia, criam aquela falsa objetividade – passamos a crer que aquilo que vemos é o que de fato “é”. Mas, bem sabemos, existem construções e não uma origem inequívoca que a fotografia traduz sem filtros. E a política, em “Dual Overdrive”, seria o lugar primordial destas construções ilusórias.
A mostra prossegue com uma instalação imponente, na qual o artista exibe dois outdoors de madeira virados para a parede. O que vemos é o seu verso, a estrutura que sustenta a grande placa que seria o berço de algum anúncio. O uso de um material barato e tosco sublinha a negação de qualquer parentesco com a visualidade pop e bem acabada usada comumente no universo da publicidade.
Morales mostra os avessos, toma o partido da negação da visibilidade. Ao fim da grande sala com os outdoors vemos uma série de fotos de estradas vicinais, aquelas que ligam zonas rurais a zonas urbanas, pregadas diretamente na parede, sem molduras, na qual predominam paisagens de abandono e desolação. A estrada pela qual percorre “Dual Overdrive” não guarda um final feliz. Um jato de spray verde cortando as fotos contribui para desmanchar qualquer possível aura de bom gosto que estas imagens poderiam ter. Não se trata de glamourizar uma periferia marcada pelo esquecimento e pela pobreza, procedimento que muitas fotografias contemporâneas cinicamente utilizam, mas sim trata-se de romper mesmo, do início ao fim, com a gramática do espetáculo.
Somam-se a estes trabalhos um outro, “Estudos de balística”. Aqui o artista mostra uma série de fotografias dispostas como um grid no chão. Nelas, vê-se o registro de cuspes sobre calçadas quaisquer das ruas de Paris. O artista mais uma vez volta os seus olhos para aquilo que seria digno de esquecimento e, mais do que isso, sublinha um caráter cético que percorre a mostra como um todo.
São muitos os trabalhos contemporâneos que fazem o elogio daquilo que é periférico, prosaico, quase invisível, em um caminho oposto ao da hipervisibilidade. Tais obras, no entanto, parecem apresentar um registro de esperança, outras possibilidades para o olhar e a existência em meio a este frenético turbilhão.
Sem sinalização para delicadeza:
A diferença na mostra de Morales é que não parece haver por “detrás” para ser revelado que nos salvasse desse turbilhão. Não há nenhuma sinalização para alguma delicadeza possível em meio à brutalidade do mundo. Desde as fotos dos políticos, todos eles, sem exceção, passando por Hollande, Sarkozy, e Marine Le Pen, todos estão com seus rostos mutilados. Os cuspes nas ruas, no espaço público, vistos como balas, como tiros anônimos, descargas de uma raiva contida, corroboram para o cenário de desilusão desenhado na exposição como um todo.
Wagner Morales não nos oferta cinismo, nada disso, mas sim um cenário seco, marcado pela descrença e a negatividade. Quem sabe tal grau zero seja o encontro necessário, incontornável, para que possamos fecundar então o início de outras narrativas, menos duras e mais esperançosas, propositivas. Pois delas necessitamos, e muito.