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Renata de Bonis, Gabriela Machado, Julia Arbex, Lina Cruvinel, Renata de Bonis, Wanda Pimentel MIRANTES

Anita Schwartz Galeria de Arte tem o prazer de apresentar a coletiva Mirantes, com curadoria de Fernanda Lopes. A exposição reúne obras de sete artistas que trabalham a partir de pinturas e desenhos em pequenos e grandes formatos.

DE 31.Ago.2021 A 29.Out.2021

Leia o texto da Exposição

MIRANTES

A história se passa em um casebre. Lá dentro, um casal discute. É uma conversa que aos poucos vai se transformando em uma briga. As palavras e o tom das vozes ficam mais ríspidos ao mesmo tempo em que a tarde vai se transformando em noite. Sem luz elétrica, é a luz natural a responsável pela iluminação dentro do casebre, que nos permite ver o que acontece. Conforme anoitece, é a luz do farol, que se movimenta de maneira circular, que ilumina o interior do casebre em intervalos constantes. Não vemos o farol, apenas a luz que ele emite, e que agora é o que nos permite ver o que acontece. Só ela e só nos momentos em que alcança a casa. No resto do tempo, não vemos nada. Só ouvimos. Até que não ouvimos mais nada.

Há anos convivo com essa sequência de um curta-metragem brasileiro, cujo nome não lembro, descrita por um professor na faculdade em uma aula. Durante todo o processo de pesquisa e desenvolvimento desta exposição, ela me acompanhou constantemente. Não só pela maneira como o farol acaba tendo uma dupla função de personagem principal e partido técnico-conceitual da iluminação do curta, mas especialmente como não consigo lembrar dela sem os gestos, a expressão facial e a entonação do professor, reconstruindo essa história, a partir do seu olhar, para a sala cheia de alunos.

Mirantes se interessa pelo lugar do olhar. Em sua definição formal, “mirante” é um local feito de ponto de observação, que pode ser artificial (como uma torre ou um edifício) ou natural (como o alto de uma montanha), mas para efetivamente funcionar como ponto de observação, é preciso estar lá. Colocar-se em estado mirante: olhar, observar, estar atento.

É a partir dessa ideia de estar presente e dar a ver que a exposição reúne obras de sete artistas que trabalham a partir de pinturas e desenhos em pequenos e grandes formatos: Ana Sario, Bel Petri, Gabriela Machado, Julia Arbex, Lina Cruvinel, Renata De Bonis e Wanda Pimentel.

Parte dessas artistas olham e nos levam a olhar o que está à nossa volta, mas também o processo da pintura e do desenho. Nos trabalhos de Ana Sario, o tempo é parte dos materiais usados. Não só o tempo fora da pintura, mas também o tempo dentro dela. Seja na pintura, aparentemente abstrata, que, na verdade, transforma em imagem gráfica o movimento cíclico das marés; seja na superfície coberta por papel alumínio – um material sensível ao manuseio e ao contato, e que ao longo do tempo ganha marcas involuntárias tornando visível parte de sua história; ou ainda, no díptico onde a paisagem se divide entre as duas telas. Da mesma maneira, a pintura de Gabriela Machado, no interesse pelo ato de observar, confere personalidade ou nova vida a objetos comuns do nosso cotidiano ou a paisagens para onde a artista viaja para vivenciar e pintar.

A construção do olhar e da pintura passa igualmente por intervenções com papéis cintilantes, carnavalescos, ou pinturas-objetos forradas por eles, além de uma ocupação modular do espaço – que assume diferentes configurações, dependendo do espaço e do que está à sua volta. Julia Arbex também revela um desenho interessado não só na imagem, mas no corpo dos materiais, no encontro entre eles. Na série Deslocamentos continentais, cada desenho é resultado do deslocamento da massa de carvão, que é transferida e reconfigurada de um primeiro desenho para estes que vemos na parede, através da água. Seus desenhos tridimensionais, que ocupam o espaço, são também o resultado do acúmulo de carvão sobre o papel e do tempo que esses dois materiais/corpos resistem juntos.

O tempo, em diferentes chaves de leitura, é matéria de outro grupo de trabalhos presentes na exposição. O conjunto de pinturas de Renata De Bonis é como uma coleção de instantes que passam a durar no tempo quando levados para a tela. Aqui, o cotidiano, que passaria quase desapercebido, ganha força no tratamento quase cinematográfico dado pela artista. Ângulos inusitados, closes acentuados e enquadramentos não convencionais dão a ver apenas parte de uma cena. Como um instante de algo que, na verdade, dura muito mais tempo, uma história que se conhece apenas uma parte. O olhar para o tempo também parece matéria de interesse para Bel Petri. Os títulos de suas pinturas se apresentam como portas de entrada para histórias que misturam invenção e lembrança, passado e presente. Como olhar para trás com os olhos de hoje? Tudo ganha vida e personalidade nessas cenas construídas a partir de um pensamento gráfico e com cores sólidas, que parecem dar corpo e presença para personagens e formas que se repetem e persistem em diferentes telas. Já nas obras de Lina Cruvinel, o tempo parece ser o da espera, da suspensão. Mais do que domésticos, os espaços que vemos em suas pinturas são locais de intimidade, capturados em sua atmosfera. É como se seu olhar investigasse esses espaços, essa “arquitetura íntima” como ela define, construída não só por quem habita, mas também pela própria artista, que visitou esses espaços. Tanto os detalhes de organização do espaço quanto os enquadramentos dados pela artista são rastros e indícios da presença do corpo.

A vida comum e cotidiana, como enigma, talvez seja uma das marcas mais fortes da produção de Wanda Pimentel, especialmente na série Envolvimento. Realizada entre 1967 e 1984, essas pinturas se constroem a partir de uma palheta de cores fortes, com um tratamento gráfico e impessoal da imagem, revelando espaços domésticos apertados (dando muitas vezes uma sensação quase de confinamento) onde vemos fragmentos do corpo em meio a objetos do cotidiano, como eletrodomésticos, móveis e utensílios. Sobre a série Envolvimento, Wanda disse algo que me remete a esta exposição: “Trabalho sozinha. Acho que minha problemática é a do nosso tempo: a falta de perspectiva do homem, a sua alienação. A coisa mais triste é o homem ser dominado pelas coisas. Não, dominado não é o termo. Envolvido. Mas sabe, não quero fazer teoria. Talvez fosse fácil fazer uma filosofia em volta do que faço. Mas não quero. O importante é ser sincero consigo mesmo. Trabalhar com intuição, sentindo, amando as coisas. Eu amo muito as coisas que faço. É preciso muito amor no mundo. É preciso que as pessoas sintam. (...) E não quero mostrar as coisas com agressividade, mas com lirismo, sutileza. Porque é mais do meu feitio”.


[1] PEDROSA, Vera. “Wanda Pimentel: obra e pessoa”. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 1 de fevereiro de 1969.Janeiro, 1 de fevereiro de 1969.

Fernanda Lopes apresenta a exposição Mirantes