
Pequeno Ato
A pesquisa artística de Michelle Rosset para a exposição Pequeno Ato, sua primeira individual na Anita Schwartz Galeria de Arte, tem como ponto de partida as correspondências poéticas entre Lygia Clark e Piet Mondrian.
DE 23.Ago.2023 A 21.Out.2023
Pequeno Ato - Michelle Rosset
“Talvez amanhã possa dar também de meus olhos,
de minha solidão e de minha teimosia a alguém que
será um artista como eu ou talvez ainda mais, como você.”
Lygia Clark em Carta à Mondrian
Certa vez, lendo as correspondências trocadas entre Hélio Oiticica e Lygia Clark na década de 1970, encontrei uma frase que me pareceu uma expressão para a vida, e a guardei gentilmente no meu bolso para nunca esquecer: “toda carta é um pedaço da pessoa”[1]. A frase passou então a reverberar em voz alta algumas perguntas que, mesmo sendo feitas, não buscavam por respostas exatas. Igualmente, algumas cartas são escritas para não serem enviadas.
A pesquisa artística de Michelle Rosset para a exposição Pequeno Ato, sua primeira individual na Anita Schwartz Galeria de Arte, tem como ponto de partida as correspondências poéticas entre Lygia Clark e Piet Mondrian. Em maio de 1959, quinze anos após a morte de Mondrian, Lygia escreveu uma carta endereçada ao artista, na qual compartilha um relato íntimo e devastador sobre o papel formador e ascendente que sua obra exerceu sobre ela e outros artistas de sua geração. Lygia nos diz que “se eu trabalho, Mondrian, é para antes de mais nada me realizar no mais alto sentido ético-religioso. Não é para fazer uma superfície e outra. Se exponho é para transmitir para outra pessoa este “momento” parado na dinâmica cosmológica, que o artista capta”.
A crise da estrutura, desencadeada por Mondrian, será levada por Lygia às expressões mais radicais da experiência do espaço, principalmente, quando a artista reflete sobre a superficialidade da abstração geométrica e começa um processo de transição em direção ao espectador como objeto de si mesmo. Do diálogo com Mondrian, passou a explorar novas formas de existir e se relacionar com o mundo, tensionando a ideia de contemplação ao dar lugar a uma poética da participação.
Ao percorrer essa trilha, Michelle Rosset produz uma obra capaz de provocar o escultórico no espaço, na sua relação com o corpo, a geometria e a arquitetura. No ateliê da artista, as esculturas são primeiramente modeladas em papel, suavemente dobradas, criando novas formas e movimentos inesperados. A ação de Michelle é envolvida pelo estado do brincar despretensioso, entre o presságio da descoberta e a invenção intuitiva.
No segundo momento, as pequenas esculturas em papel são elaboradas em aço, são projetadas em cores puras, como foram defendidas por Mondrian, através de sua teoria que conecta o poder da arte à transcendência e às leis objetivas do universo. No entanto, ao adicionar o elemento fundamental da linha curva, Michelle faz emergir novas percepções para os conceitos do neoplasticismo, instigando aproximações com o pensamento percorrido pelo modernismo e o movimento neoconcretista brasileiro.
A exposição Pequeno Ato retoma o manifesto de uma nova posição que ancora o fazer artístico à uma vivência do tempo-espaço, permitindo à artista uma concepção subjetiva, e ao espectador, o envolvimento como agente participativo de uma obra que é concretizada no encontro. Se toda pessoa é também uma carta, e a escrita um exercício de significação do mundo, as esculturas de Michelle Rosset estão escritas no diálogo com a história da arte e da escultura, endereçadas ao legado de uma metodologia do “fazer fazendo”, a obra em seu ato contínuo e conjunto, sem possibilidade de dissociação da própria vida.
Em Pequeno Ato, para ver, é preciso caminhar.
Bianca Bernardo
[1] “Você nem imagina a alegria que senti pois uma carta é sempre um pedaço da pessoa, e a gente que está longe lê uma, duas, três vezes tal a fome, que é a saudade, que a gente tem dos amigos! Acho que virei até antropófaga. Tenho vontade de comer todo mundo que amo e que se ache aí...”. Clark, Lygia. Lygia Clark - Hélio Oiticica: Cartas, 1964 –74 / org. Luciano Figueiredo; pag. 25, 1998.
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