Pinacoteca Botânica
DE 22.Mai.2024 A 22.Jun.2024
Pinacoteca Botânica nasce da proposta de apresentar um painel de grandes dimensões de Yolanda Freyre sobre a Mata Atlântica: “Thanatos e Eros”. A icônica obra, uma pintura de 120 x 587 cm, em óleo sobre lona, foi produzida entre os anos de 2022 e 2024, mas já vinha sendo gestada ao longo de décadas de trajetória artística até ganhar forma de narrativa pictórica. Yolanda possui uma conexão profunda com a paisagem natural que transborda sensibilidade. Ao nos apresentar a sua floresta, ela nos convida a conhecer um lugar sagrado, intimamente conectado às suas vivências. A história começa na década de 1970. Em frente à casa onde morou em Petrópolis, havia uma montanha, uma presença forte da mãe natureza. Surgiu ali a primeira epifania; Yolanda observou que a montanha mudava de cor, conforme a variação atmosférica e o seu estado de espírito: era roxa quando estava afetuosa e cinza quando sorria. Anos depois, ao visitar um sobrinho querido que havia se mudado para uma chácara cercada pela Mata Atlântica, deu-se a segunda epifania. Naquela mata, Yolanda sentiu a presença de seu falecido irmão, vítima da violência dos anos de ditadura no Brasil, pai do sobrinho que lá habita. A partir desse momento, a floresta se tornou um lugar especial, de conexão e reencontro com seres queridos. Diante da grandeza do acontecimento, Yolanda decide pintar essa Mata Atlântica e, ao começar, entendeu que para contar sua história seria preciso um grande painel para expressar o sentimento. A sua mata é cheia de troncos e folhas de diferentes espécies que voam ao vento como se pássaros coloridos fossem. O ar e o céu desse painel são repletos de plantas que parecem algodão, flutuando como nuvens e estrelas. Durante o processo de pintura, a artista observou que a cada vez que, metaforicamente, adentrava a mata, ela deixava para trás as suas dores e encontrava uma outra Yolanda, um ser maior, com a sabedoria da natureza. A floresta virou o seu santuário, um local de acolhimento, confessionário de reflexões e escuta do sensível. Em momentos de meditação, o algodão trazido pelo vento se assemelhava a gotas de água gasosa e também a anjos, mensageiros da floresta que chegavam para cumprimentá-la trazendo mensagens dos que se foram. Yolanda conta que, para os povos originários, Mata Atlântica significa águas que se banham a si mesmas, águas que se pensam. A expressão “Nhe’ẽ ry”, usada pelo povo Guarani para denominar a Mata Atlântica, pode ser traduzida como “lugar onde os espíritos se banham”. Talvez por essa razão, Yolanda tenha incorporado ao painel um grande rio, o rio da vida; à primeira vista, uma metáfora de nascimento e morte. E sobre ele pintou o ciclo da vida das hortênsias. A flor, presença marcante no quintal da casa de Petrópolis, nasce pequena e branca, cresce verde, floresce em quatro pétalas de tons azulados, em alguns casos lilás. As hortênsias de sua pintura ao se aproximarem do final do rio ganham pontilhados marrons. E aqui ocorre a terceira epifania. Na interpretação budista, a vida é um rio que corre no sentido do mar. E, quando chega ao mar, ele não desaparece, ele se transforma, deixa de ser rio para se tornar mar, deixa de ser eu para virar nós. Thanatos e Eros, morte como destino e transformação em nova pulsão de vida. O rio da vida de Yolanda não fala de nascimento e morte, mas sim de nascimento e transformação. O rio corre sobre a pintura e desaparece na beirinha, com pétalas de hortênsias marrons em forma de cruz, aqui, símbolo de adição, é o rio prestes a entrar no mar para somar vida à grandeza dos oceanos. Afinal, a própria semente tem que “morrer” para virar planta.
Quantas florestas existem em uma floresta? Quantas histórias nela habitam? Quantas possibilidades de interpretação? Como poeticamente definido por Fernando Lindote, a floresta se assemelha a uma pinacoteca, um espaço onde muitas possibilidades de pintura estão guardadas. Com esta imagem em mente, desenhamos a Pinacoteca Botânica na Anita Schwartz Galeria de Arte e convidamos artistas representados e presentes no acervo a participarem. Em torno do grande painel “Thanatos e Eros”, reunimos obras que versam sobre a temática botânica em diferentes nuances, cada uma à sua maneira, em estilos e técnicas variadas: pintura, escultura, desenho, fotografia, objeto. Além de Yolanda Freyre, estão aqui presentes Abraham Palatnik, Afonso Tostes, Bruno Vilela, Claudia Casarino, Claudia Jaguaribe, Claudia Melli, Duda Moraes, Esther Bonder, Farnese de Andrade, o próprio Fernando Lindote, Frans Krajcberg, Gabriela Machado, Maritza Caneca, Pedro Varela e Rosana Palazyan. Em algumas criações, vemos natureza viva! Em outras, natureza morta. Há paisagens transitórias e plantas artificiais - ora o artificialismo é trazido manualmente pela artesania humana, ora com o uso da tecnologia. Há os que retratam a beleza das flores, outros abordam o futuro da Mata Atlântica diante da exploração predatória da natureza pelos seres humanos. Temos ainda aqueles que transformaram resquícios de floresta em insumo para as suas criações e os que fazem alusão à temática botânica para discorrer sobre temas sociais. Segundo David Hockney, as árvores são como rostos, cada uma é diferente da outra. A natureza não se repete. É preciso observar de perto, existe uma aleatoriedade[1]. Da mesma forma, cada olhar sobre a floresta ou sobre as árvores é único. Pinacoteca Botânica engloba essa variedade de interpretações, trazendo para dentro do espaço expositivo da galeria, no coração da Gávea e em meio à Mata Atlântica, diferentes leituras do ambiente natural que nos cerca.
Cecília Fortes
[1] Gompertz, Will. Como os artistas veem o mundo. Página 19.
ABRAHAM PALATNIK
Sem título
, 1969
Laminado de madeira Jacarandá
AFONSO TOSTES
As coisas que ainda existem/ Ruminantes e roedores
, 2022
Carvão, impressão offset, galhos e fio de cobre sobre tela
AFONSO TOSTES
As coisas que ainda existem/ Rhopalocera
, 2022
Carvão, impressão offset, galhos e fio de cobre sobre tela
AFONSO TOSTES
As coisas que ainda existem/ Exoesqueleto
, 2022
Carvão, impressão offset, galhos e fio de cobre sobre tela
AFONSO TOSTES
Pós árvore
, 2024
Escultura em madeira de casa, couro, carvão, sisal e bacia de ágata com água
BRUNO VILELA
Blue Note Trip
, 2017
Óleo sobre tela
CLAUDIA CASARINO
Mango (En el pátio trasero habia 2 grandes arboles de mango y eso para mí era um bosque. Sí, 2 arboles eran um bosque)
, 2023
Carvão e Ouro sobre linho
CLAUDIA JAGUARIBE
Série Flor do Asfalto
, 2023
Fotografia
CLAUDIA JAGUARIBE
Série Mina
, 2023
Caixa em acrílico, com base de madeira pintada em cinza elefante, com pedras cimentícias e esculturas de flores e folhas
CLAUDIA MELLI
Refúgio
, 2022
Nanquim sobre vidro
DUDA MORAES
Cascate
, 2023
Óleo sobre tela
ESTHER BONDER
Escotilha
, 2023
Acrílica sobre tela
FARNESE DE ANDRADE
Natureza Morta 17
, 1979
Assemblage (madeira)
FERNANDO LINDOTE
Quando o mundo era um grande rio
, 2024
Óleo sobre tela
FERNANDO LINDOTE
Perto do silêncio
, 2024
Óleo sobre tela
FRANS KRAJCBERG
Sem título
, 1970
Relevo em papel
FRANS KRAJCBERG
Sem título
, 1974
Relevo em papel
GABRIELA MACHADO
Não espera
, 2024
Acrílica sobre linho
MARITZA CANECA
Paisagens Transitórias
, 2022
Fotografia
NOARA QUINTANA
Série Ladrão de Borracha (Rubber Thief)
, 2024
Acrílica sobre organza de seda pura
PEDRO VARELA
Sem título, Série noite
, 2023
Acrílica sobre tela
PEDRO VARELA
Canteiro
, 2023
Papel, tinta acrílica, arame de alumínio
ROSANA PALAZYAN
Catinga de mulata; Série Daninha? Qual é seu nome?
, 2006/2012
Desenho sobre papel
ROSANA PALAZYAN
Maria-sem-vergonha; Daninha? Qual é seu nome?
, 2006/2012
Desenho sobre papel
YOLANDA FREYRE
Thanatos e Eros
, 2022 / 2024
Óleo sobre lona
YOLANDA FREYRE
Terra Alagada (tríptico)
, 2016
Óleo sobre casca de Birken