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Gustavo Speridião Sobre fotografia e filme

Anita Schwartz Galeria de Arte apresenta, a partir de 26 de junho para convidados, e do dia seguinte para o público, a exposição “Gustavo Speridão – Sobre fotografia e filme”, que ocupará o terceiro andar da galeria com sete sequências de fotos – dípticos e trípticos – e um filme.

As fotos pertencem a duas séries distintas: “Uma Epopéia Fotográfica” e “Estudos Superficiais”, ambas produzidas entre 2006 e 2013. Os trabalhos são inéditos no Brasil, mas parte deles está sendo apresentado até 15 de junho próximo na prestigiosa Maison Européenne de la Photographie, em Paris.

DE 27.Jun.2013 A 27.Jul.2013

Leia o texto da Exposição

No meio do caminho, M. Courbet e M. Vertov saúdam-se com um amigável bom dia

Não se trata de um fenômeno inédito, mas sua escala quantitativa e operacional hoje nos surpreendem: o excesso de produção de imagens e sua vertiginosa circulação como encenação da vida, moeda de troca (networking) e auto-mercantilização / autopromoção / autoindulgência. Isso vem desde os primeiros raios de luz fixados em celulóide em Hollywood; o que podemos supor atualmente é a expansão dos meios de (re)produção da imagem criarem a fantasia do estrelato pessoal... o ultra-citado capitalismo cognitivo aqui se confunde com o insólito capitalismo cordial. Nossa imagem virou nosso capital especulativo, pautando assim nossos modos, moral, comportamento.

 

Nada é mais antagônico disso do que os propostas de Gustavo Speridião. Seus filmes e fotos, construídos por imagens sempre polimorfas – pois são a um só tempo líricas e brutas, claras e desconcertantes, legíveis e por vezes enigmáticas – colocam o espectador em uma situação de vacilo interpretativo. São imagens anti-hollywoodianas, seja porque foram intencionalmente produzidas por uma mão (e uma edição) “amadoras”, isto é, assimilando essa condição horizontal, massificada do regime atual de seu registro universalizado, seja por, naquilo que extrapolam as técnicas de encadeamento narrativo usuais, colocarem-nos o desafio de dominá-las, ou na dinâmica hipnótica segundo a qual a ideologia as controla, de quem domestica quem (nós às imagens ou o contrário).

 

Speridião tem como seu cenário o mundo – em suas errâncias tudo e passível de ser registrado, mas predominam as cenas do drama humano diante de sua vertigem, entusiasmo, recusa e resistência contra o artificial teatro do “tudo vai bem”. Mallarmé (citado por Augusto de Campos) a seu modo nos provocava, afirmando não conhecer outra bomba senão um livro. As obras de Gustavo são bombas mallarmaicas, nascidas contudo de outras bombas que ele viu explodirem pelos diversos lugares por onde passou. Há nele uma dupla política de imagens (por se tratar também de uma política das imagens): além de tornar visível o quanto elas decorrem de um embate entre sua libertação ou prosseguirem utilizadas coercitivamente, elas recusam a ingenuidade da assimilação dócil mediante a veiculação consentida de canais “abertos” (para ser mais específico, indaga-se quais delas são autorizadas a circular, quando sabemos hoje que todas potencialmente trafegam antes nos corredores do Pentágono).  Ademais, elas aqui são recodificadas, tornam-se imagens pessoais, independente de sua procedência, por terem sido apropriadas e editadas pelo artista, expondo-se assim a sua flutuação semântica. Que vivemos num mundo editado ninguém com um mínimo de discernimento desconhece. O problema é simular a transparência da edição, fingindo-a não existir, como se nisso tivéssemos então o contato “puro” com o real.  Por conta de tal consciência, o método de Vertov em seu Homem com a câmera fascina tanto o artista: é mais do que ver o mundo com novos olhos, respondendo afirmativamente a uma nova disciplina produtiva então aberta em suas convenções, isto é, quando o mundo passava a caber não apenas no pincel, mas aderido a uma película e traduzido por uma lente. Trata-se de antes mesmo de saber ver, querer ver, querer ver com os próprios olhos. Diria que não só por seu conteúdo, mas pela integridade e nitidez com que se enunciam, caberia legitimamente falar da incidência de um realismo me seus trabalhos. Sabemos que este termo acabou ao longo dos tempos vítima de uma conotação chinfrim e reducionista, mas no caso de Speridião, ele é valido no que externa uma consciência histórica do trabalho / labor como um ato que ultrapassa o que é colocar um objeto ou uma imagem no mundo (afinal há tanta coisa nele) e sim o do por quê fazê-lo e o que se diz por meio dele. Suas obras, se são diretas, imediatas em seu impacto gráfico não são de modo algum fadadas a uma apreensão automática, passiva ou mecânica, uma vez que o estranhamento que ativam – por exemplo, nos enquadramentos, liberalidade em relação ao foco, montagem e sincronia do som – as fazem reais por terem sido desnaturalizadas, isto é, despidas de suas convenções rotineiras. Filme de arte, mas não cinema de arte, sua qualidade é a de por vezes serem uma necessária política de má-vizinhança, visto o quanto se mostram arredias às duvidosas pactuações e triunfalismos que se nos tentam botar goela abaixo em nossos monitores e telas.

Guilherme Bueno