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Bruno Lyfe VENTAR O TEMPO

A mostra reúne 12 pinturas inéditas, produzidas em 2025, em que o artista tensiona a memória como território simbólico e político, subvertendo referências da história para reescrever narrativas silenciadas. “Esse projeto busca o encontro com a autoimagem e a reescrita de nossas histórias, abrangendo um legado imagético que desejamos conjurar", resume Bruno Lyfe. A dinâmica da memória, a pintura equestre e a azulejaria barroca portuguesa são os três eixos da atual pesquisa do artista, que pautam o conjunto de pinturas selecionado para a exposição. As obras exploram um repertório iconográfico com narrativas de vida e corpos sub-representados no decorrer de uma história da arte eurocentrada e embranquecida.

DE 28.Mai.2025 A 05.Jul.2025

Leia o texto da Exposição
English Version - The Insubordination of the Image Before Time - Lorraine Mendes

A insubordinação da imagem diante do tempo 

 Lorraine Mendes 

 

Tudo o que sabemos sobre o tempo é uma metáfora. A maneira como contamos sua passagem em minutos e dias é fruto de uma convenção e uma tentativa de dar sentido à existência humana a partir de ciclos. Isso nos leva a alguma possibilidade de futuro e superação. No tempo linear, o passado é algo que foi superado e a humanidade caminharia, assim, em direção a algo melhor ou mais evoluído. 

Mas o que fazer quando há uma ruptura de um marco de tempo e o que é passado se faz presente por meio de um jogo entre presença e ausência, silêncio e história? 

Na narrativa do tempo presente, há quem faça o gesto de retorno a alguma coisa que ficou por se resolver, por mudar, para dar lugar àquilo que tem direito.  

Na história da arte a pintura serviu para também criar um regime de visibilidade e representação, mitos fundacionais e marcar a passagem do tempo: de grandes batalhas, feitos heroicos, retratos de grandes personalidades à formulação de uma imagem daqueles que poderiam ser julgados inferiores. Todas essas imagens ocupam nosso imaginário enquanto corpo social e fazem com que possamos construir coletivamente uma ideia de história e pertença. 

Jorge Luis Borges nos conta: 

O tempo é a substância de que sou feito. O tempo é um rio que me arrebata, mas eu sou o rio; é um tigre que me despedaça, mas eu sou o tigre; é um fogo que me consome, mas eu sou o fogo. 

O tempo, essa grande metáfora, pode ser entendido como medida que marca a criação humana: o estabelecemos para que ele nos dê contorno. O artista, de algum modo, é livre desses limites. Pode subvertê-los e recriar caminhos entre o que passa, segue, muda, e aquilo que fica. O tempo da pintura, por exemplo, é sempre outro: enquanto está sendo feita, tempo suspenso; quando apresentada e celebrada em arquivo, tempo que permanece.  

Há uma geração de artistas comprometidos com a pintura e com um gesto de fazer ventar e revolver a permanência das coisas. 

Nos trabalhos que Bruno Lyfe aqui nos apresenta podemos perceber, junto às minuciosas camadas de tinta, cor e forma, a sobreposição de visões, tradições e histórias. O artista faz ventar modos de representar e criar, de versar sobre presenças e fazer ver aquilo que sempre esteve ao alcance dos olhos, mas que se não chamado à frente, segue esquecido pelas narrativas oficiais. 

O artista toma para si elementos que formam o cânone da arte ocidental: a pintura equestre, as narrativas de descobrimento e feitos das nações do velho mundo, o barroco como a bíblia dos iletrados, a arquitetura como meio de dominação e organização das relações humanas. Bruno se apropria dessa herança que também é sua e a conjuga com um modo seu, e por isso também nosso, de ver o mundo em que habita.  

Junto ao cânone, não no avesso, por entre os cobogós, atravessando a ideia de ordem e progresso, há uma acidez cítrica que percorre um caminho por entre os meninos que cavalgam no lombo de cavalos, entre as rachaduras dos azulejos azuis, entre mulheres que dançam e contam histórias. 

De uma maneira muito própria e sutil Bruno Lyfe nos lembra que o corpo que trabalha é o que descansa, o que dança é aquele que também luta, e que, sobretudo, o que parece apenas assistir é o que faz. Percebamos em suas pinturas os insubordinados meninos que brincam. É o retrato livre de uma ousadia alegre, de uma teimosia sutil que desafia a retina. Quando vemos essas figuras dançando livremente em uma superfície que já tentou os aprisionar em imagens de subserviência e dominação, confundimos a ideia de superação do passado e podemos reformular modos de contar histórias. 

Indomáveis, essa figuração salta em direção a uma outra noção de tempo. Faz ventar e revolver certezas sobre a imagem, sobre modos de representar que não dão conta da complexidade que é a vida. O tempo que é metáfora se atualiza como fio e caminho: Lyfe volta ao passado com momentos do presente, se faz agente de algo que um dia pode também ser cânone, afirma a permanência, faz de sua pintura o próprio tempo e brinca, ele mesmo, por entre narrativas, formas, cores e história. 

A margem não alcança o que salta , 2025
250 x 180cm | Acrílica e óleo sobre tela

[tela a esquerda]
Cavalgar contra a história para não sumir com ela , 2025

Dança , 2025
138 x 107cm | Acrílica e óleo sobre tela

Anjos , 2025
138 x 107cm | Acrílica e óleo sobre tela

[tela grande a direita]
Ponte entre o chão e o céu , 2025

Fazer da memória solo firme , 2025
100 x 100cm | Acrílica e óleo sobre tela

Elevar , 2025
100 x 100cm | Acrílica e óleo sobre tela

Peso leve do agora , 2025
100 x 100cm | Acrílica e óleo sobre tela

Estamos aqui, como quem guarda o que ainda resta , 2025
182 x 139cm | Acrílica e óleo sobre tela

Cenário, presença e voz , 2025
212 x 138cm | Acrílica e óleo sobre tela

Seguimos brincando , 2025
190 x 138cm | Acrílica e óleo sobre tela

Em silêncio sentindo o que não foi dito , 2025
190 x 140cm | Acrílica e óleo sobre tela

Ponte entre o chão e o céu , 2025
180 x 180cm | Acrílica e óleo sobre tela