
Quando vires um centauro, acredita nos teus olhos
Anita Schwartz Galeria de Arte apresenta a exposição Quando vires um centauro, acredita nos teus olhos, de Maria Baigur. Recentemente anunciada pela galeria, a artista estreia neste espaço sob a curadoria de Fernanda Lopes, exibindo um conjunto inédito de trabalhos que revelam uma dimensão importante de sua produção: o interesse pela fotografia não apenas como maneira de olhar o mundo, mas como construção da imagem.
DE 09.Abr.2025 A 17.Mai.2025
Olhar para as obras que Maria Baigur reúne em sua primeira individual na Anita Schwartz Galeria de Arte é como estar diante de centauros. Personagens da mitologia grega, os centauros são seres fantásticos, por vezes monstruosos, marcados por uma estranha familiaridade. Seus corpos são uma espécie de híbrido formado por cabeça, braços e dorso de um ser humano, e tronco e patas de um cavalo. Híbridas também são as fotografias de Baigur. Em mais de 10 anos de produção, a artista vem construindo um corpo de trabalho que tem como elemento central o interesse pela fotografia. Não exatamente a fotografia tradicional, que parece conformar-se a uma técnica de construção de um olhar mecânico para o mundo, mas sim em uma prática que cada vez mais se direciona para um pensamento que envolve o processo, o tempo e o olhar fotográficos. O resultado são obras que se apresentam como espécie de híbridos entre a fotografia, objeto, vídeo, instalação ou performance.
Em Quando vires um centauro, acredita nos teus olhos somos apresentados à parte mais recente e inédita da pesquisa da artista. Ao todo estão reunidas cinco obras nas quais os gestos são os fios condutores. É como se, ao citar a mitologia grega e a figura do centauro, Maria Baigur na verdade chamasse nossa atenção para a mitologia da própria fotografia. Inicialmente, essa é uma história marcada por uma série de conquistas técnicas. Ao longo do tempo, diferentes descobertas, dentro e fora do campo da arte, chegaram ao ponto, em 1826, de finalmente tornar possível capturar uma imagem a partir de uma máquina e fixa-la de maneira permanente em uma superfície bidimensional. Aqui, o gesto fotográfico era entendido pela maioria apenas como o movimento da mão do fotógrafo que, com o apertar de um botão, dava início ao processo de registro da imagem.
Para outro grupo de artistas e pesquisadores, muitos outros gestos faziam e fazem parte do pensamento fotográfico. Desde o início, procedimentos e limitações técnicas já abriam espaço para uma dimensão mais fabular e poética da fotografia. Os estudos de movimento dos corpos desenvolvidos no final do século 19 na Inglaterra por Eadweard Muybridge (1830-1904) e as experiências fotográficas de nomes como Valério Vieira (1862-1941) no Brasil e de Man Ray (1890-1976) na França, são alguns dos passos iniciais de uma longa genealogia que entendia e entende a fotografia como algo para além do registro fotográfico, incluindo outras possibilidades de gestos para o artista, além de todo um aparato técnico e até mesmo a participação do público. É como se a fotografia contasse também, como parte de seu material, com uma espécie de crença, confiança ou cumplicidade daquele que olha.
Em 40 horas, vemos um conjunto de cinco fotografias, cada uma delas divididas em oito linhas horizontais. Aparentemente abstrato, esse trabalho funciona quase como um relógio. Aqui, a artista chama atenção para a dimensão prática que envolve todo gesto artístico. Mais que isso: ela enfatiza como o trabalho artístico (geralmente abordado a partir de um viés poético) é um trabalho. Para realização de 40 horas, ela foi durante cinco dias consecutivos para a praia e se propôs a observar o mar e tudo o que acontecia no entorno, por oito horas seguidas. Cada linha representa uma hora de trabalho, marcada pelo registro do céu de hora em hora, e cada conjunto de oito linhas, um dia inteiro de trabalho. O compromisso diário realizado pela artista encontra no espaço expositivo a disposição do público em confiar nesse compromisso. Afinal, além das imagens do céu em diferentes tons de azul, o que mais no dá a certeza de que a tarefa inicial foi de fato cumprida?
O gesto e o trabalho também são materiais centrais em Glitch. Aqui, Baigur explora a cadeia produtiva de uma fotografia. Glitch é um termo técnico, usado para se referir a uma imagem com um erro, um ruído visual. Seu uso enfatiza o interesse da artistas pelos gestos e acontecimentos fotográficos que se dão depois do ato de fotografar feito por ela e que são igualmente importantes para o resultado final da obra. Entre eles estão o registro do arquivo, a impressão da imagem, a apara de sobras do papel e a moldura. Em Glitch as sobras de papel nos quais fotografias (da própria artista e de outros autores) foram impressas deixam de ser descartadas para serem empilhadas e emolduradas. Ao mesmo tempo que Baigur nos dá a ver o que antes não se conhecia (essas aparas), ela também confere caráter escultórico e único a esse material, uma vez que nenhuma sobra é igual à outra.
Completam a exposição um conjunto de trabalhos (dois dípticos e uma fotografia) que reverberam o título desta exposição. Aqui está colocada uma espécie de ilusão/imaginação fotográfica. As folhas cortadas chamam atenção pela textura do papel – que além de característica intrínseca do material é também colocado como personagem principal – ecoa em cada um dos dípticos, seja na fumaça que se desfaz no ar [Quando vires um centauro, acredita nos teus olhos 1], seja nas dobras que se formam no movimento das saias [Quando vires um centauro, acredita nos teus olhos 2]. Já a fotografia Quando vires um centauro, acredita nos teus olhos, mesmo sozinha, é quase impossível não perceber nas linhas da concha e no som emitido por ela (que só a personagem fotografada de fato ouve) os rasgos do papel.
Como escreveu José Saramago na epígrafe do seu livro de contos Objeto quase (1978), recuperada por Maria Baigur como título de sua exposição: “As coisas nunca são o que parecem. Quando vires um centauro, acredita nos teus olhos”.
Quando vires um centauro - 1, 2025
Fotografia e papel fine art 350g
, [Photography and fine art paper]
96 x 132 cm (dípctico | diptych)
Quando vires um centauro - 2, 2025
Fotografia e papel fine art 350g
, [Photography and fine art paper]
96 x 132 cm (dípctico | diptych)
vista 2º andar
Gltich, 2024
Papel fine art 350g
, [Fine art paper]
60 x 40 cm
40 horas - Dia 04, 2025
Fotografia
, [Photography]
80 x 60 cm
vista 2º andar
"Copa, série Geometrias Emocionais, 2015" e "Leme, série Geometrias Emocionais, 2015"
Fotografia Edição: Ed. 5 + 2 P.A.
, [Photography]
40 x 40 cm