
Coletiva 3+1
DE 10.Jan.2018 A 17.Fev.2018
LAÇOS
Texto de Guilherme Bueno
Esse é uma boa questão que se nos coloca, sobretudo naquilo em que ela se realiza numa esmerada técnica, até certo ponto irônica com sua própria capacidade de nascer de uma artesania e um apreço quase fotográfico a detalhes. Até que ponto essa precisão registraria ou congelaria a emoção que deseja perpetuar? Há também, na construção do espaço pictórico, a migração de um sistema de sobreposição e colagens de planos tributário aos recursos dos softwares de tratamento de imagem. Não significa dizer que a artista partiu disso ou emula passivamente esses programas, mas que ela entendeu que nossa visualidade - ou mais especificamente, nosso empenho de tornar visuais nossas experiências - se realiza atrelado a elas e sua avassaladora capacidade de normatizar nossos "modos de expressão" (assim como, a título de comparação, aprendeu-se a ver e viver no mundo no século XX a partir do cinema e seu sistema); melhor dito, depende de suas formas de concreção. A escala de proximidade das telas eletrônicas, ou ainda da precisão microscópica, aqui é contraposta às dimensões ampliadas da tela, como que tornada aberta e esgarçada e a distância curta da intimidade é lançada para a extensão pública do quadro, em um close que oscila entre o que teria originalmente de individual e o que se revela visualmente a todos. É, por fim, uma pintura a indagar, em diferentes instâncias - pela posição (presencial e/ou conceitual) diante delas - em que lugar o espectador acredita estar. E que lugar é esse no mundo.
Há um motivo contínuo nessas pinturas: a imagem de um coração num plano que é ambíguo plasticamente e sentimentalmente. No primeiro caso, por sua figura "sobrevoar" a área de fundo, por vezes uma comentando a outra, e, ao mesmo tempo, tornando-se estranhas - como se o que está num plano contradissesse o outro. A segunda possibilidade de lidar com o coração não é menos provocativa, pois a metáfora do amor vê-se contrabalançada por uma de suas representações menos individuais e das mais artificiais - os balões industriais encontrados em qualquer canto, provavelmente fabricados em condições nada amorosas, mas que, por um instante (num mundo que é todo instantes) sela o desejo de uma aliança promissora, esse pequeno e fortuito registro de um afeto que se finge duradouro. Fixado na tela, ele não ganha uma longa duração que talvez só a arte consiga oferecer? A escolha do objeto parece uma sutil metáfora do mundo hoje, no qual, mais do que nunca, a intimidade, os sentimentos mais caros, parecem só existir mediados por dispositivos de circulação em massa - que vão de redes sociais aos onipresentes souvenires e pequenas traquitanas que nos rodeiam. Marcela Florido escolhe como seu motivo um objeto que consuma essa contradição, no contraste entre a imagem de algo que por excelência simboliza nossa emoção contemporânea fugaz (esse "amor de feira" selado nessa oferenda de minutos) e uma "permanência" que a linguagem e a fisicalidade da pintura conseguem impor. Tal oscilação, ademais, se faz plasticamente presente no corte entre o primeiro plano e o de fundo, com um tomado numa proximidade quase hiper-realista e o outro ora em distância ora num fundo semi-abstrato. Assim, estamos diante de uma pintura movida por pulsações antagônicas - o sentimento íntimo e que se crê verdadeiro concretizado por objetos-símbolos para lá de postiços - e a construção derivada do close-up nesses catalisadores de proximidade que, ao mesmo tempo, por sua consistência anódina e avessos o quanto possível a ela, acabam por comentar acidamente como sentimos em nossa época.