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Artur Lescher

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Artur Lescher

Artur Lescher

Brazil, 1962. Vive e trabalha em / Lives and works in São Paulo, Brazil.

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  • Artur Lesher Aracy Amaral

    Artur Lescher

     

                                                                     

     

    Na verdade, não acredito em gênios. Nem em revelações. E diante de jovens, quando meu ôlho percebe um trabalho diferenciado, posso surpreender-me, alegrar-me com seu surgimento, mas só creio em sua solidez enquanto contribuição quando sua trajetória, ao longo do tempo, me permite vêr continuidade em acertos e audácias, pois muita gente, como cometas, sobretudo no Brasil, se perde nos céus de nosso meio artístico. Talvez seja por isso que alguém já disse que nunca viu um texto meu tecendo elogios rasgados a um artista. Talvez essa pessoa tenha exagerado. Ou talvez eu seja mesmo comedida.

     

    Mas por essa mesma razão, diante dos últimos trabalhos de Artur Lescher percebo estar diante de um artista já maduro, que virou a página do “jovem”, e se apresenta, como de fato o é,  um artista com um perfil definido. Daí a razão desta publicação que se pretende uma síntese de seu percurso até agora.

     

    Lescher tem o encanto do aparentemente desajeitado tipo adolescente perpétuo, tímido sorriso amigo, meio se escondendo, mas no fundo sabendo bem o que quer e do que gosta, e como fazer o que se determina. Como artista, exibe como constante uma poética do espaço e da beleza de formas que o aproximam das problemáticas do design, da arquitetura, e da pesquisa com materiais com que elabora seus projetos. Esses dados o identificam como um artista tipicamente paulistano por estas mesmas razões.

     

    Pertence à linhagem daqueles que o precederam há cinquenta anos, quando os jovens concretistas de São Paulo se encantaram com as contribuições da delegação suiça presente à I Bienal e que privilegiava o suporte industrializado, conglomerado de madeira, aluminio ou o aço polido, assim como a aplicação da tinta mecânicamente, rejeitando a manualidade artesanal. Esses principios  norteariam o Grupo Ruptura, liderado por Waldemar Cordeiro, paisagista, artista e pesquisador constante de novas correntes.

    Há, com efeito, em nossa capital, talvez em decorrencia dessa mesma  intensa industrialização, uma vertente de artistas vinculados à tecnologia. Poderiamos mencionar não apenas a Baravelli de inicios dos anos 70, como  a Julio Plaza, certos projetos de Marcelo Nitsche, e mesmo a Waltercio Caldas , por contato com o grupo dos quatro artistas - Fajardo, Nasser, Baravelli, Rezende - da “Escola Brasil dois pontos” através de exposição (no MAC-USP e MAM-RJ, em 1970) que marcou toda uma geração tanto em São Paulo como no Rio. Ou seja, deixando de lado o precário e efêmero, vigente na segunda metade dos anos 60 (do tipo de Leirner, Antonio Manuel, Helio Oiticica dos ambientes de Tropicália, e mesmo Barrio de pouco depois) apresentava-se uma nova onda, de artistas que apreciavam o bom gôsto, o acabamento, o perfeccionismo na execução dos projetos, apresentando peças com a precisão e um sabor arquitetural inequívoco, fossem os artistas arquitetos ou não.

     

    Mais recentemente é a artista Ana Tavares, também da mesma geração 80, como Lescher, quem como êle, se compraz com jogos de espaços, diálogos ou interação com a arquitetura, a trabalhar com materiais diversos, elaborando projetos por vezes irritantes em sua acuidade excessiva na execução das peças.

     

    Essa vertente de uma arte sumamente urbana, elegante, “universal”, está desvinculada de nosso entorno terceiromundista a nos pressionar, nos esmolar em cada esquina, periféricos que por certo somos; e não aceitamos ser, porque nos incomoda, fére o cosmopolitismo que prefeririamos que nos caracterizasse, deixando de lado uma violenta contradição socio-cultural que não aceitamos e não conseguimos extirpar.

     

    A essa linhagem pertence Artur Lescher. Mas não deixa de ser autentica por refletir uma porcentagem pequena, porem real, de artistas cultos, cultivados, embora excepcionalmente conhecedores de fato da historia mais distante ou recente das artes no Brasil.

     

    O trabalho serial sempre foi perseguido por Artur Lescher: uma ideia na cabeça e o seu desenvolvimento paulatino, através de peças que se desdobram em outras, a partir da ideia primeira. Assim foi a casa-ideograma, fechada, casa-síntese, encerrada em torno a sua propria forma paradigmática: telhado de duas aguas, retangular como espaço, minimalista em sua essencialidade formal. Elaborada e executada em materiais os mais diversos (parcialmente visivel a estrutura, como no MAM-SP, ou em madeira, aço inox, aluminio); ou acoplada siamesisticamente a outras três – cruciforme – ou estirada, quase irreconhecivel, absolutamente vertical, em madeira polida, impecavel. Ou como casa-vagão alongada horizontalmente sobre o piso.

     

    Mas desde suas casas (e balões), o diálogo de suas formas é com o espaço que contem suas peças. O diálogo com o espaço e o serial  assinalam, ao mesmo tempo, sua predileção por exercicios modulares.

     

    Surge sempre, depois, a especulação com materiais e a alteração dos mesmos pela exposição ao tempo, não descuidando das formas de elegancia inegável. O quadrado perfeito, os plasticos opacos, o trabalho  com as madeiras. E o sal de cobre, o mercúrio, a resina, os plásticos, o nylon industrial, o granito, a porcelana branca, a agua, o aluminio.

     

    A série “Elípticas” – belas como formas, estranhas como concepção - com que agora se apresenta traz  resposta para a indagação: onde se origina a elipse ? Nasce do corte de fatias, em oblíqua, de um cône. E daí a possibilidade de serem de dimensões diversas, de acordo com sua extração das diversas alturas do cône. Assim, do corte nasce  a forme elíptica : agudeza ferina, percuciente, gume, são todos termos que nos ocorrem ao contemplar este espaço criado, com piso de cálida madeira polida, mas que propõe ao olhar formas decepadas – vistas pela metade, ou nunca em sua inteireza – . O gume é perceptivel na sutileza dos perfís revelados destas elipses contraditoriamente ameaçadoras, não fôra a delicadeza de sua execução cuidada. Recostadas,  na horizontal,  cravadas no piso,  ou penetrando no muro ao apoiar-se nas paredes, com suas bordas delicadamente polidas e enceradas. Como armas brancas, de sensual e extrema beleza formal ao mesmo tempo que de violência sutil.

     

    Percebe-se na última exposição de Artur Lescher, março 2002, na Galeria Nara Roesler, o cuidado extremo na seleção e disposição de cada peça no espaço com uma simbologia que o visitante casual não póde captar. Uma exposição realizada após ser  projetada em dois anos de trabalho em seus mínimos detalhes. Na necessária alteração do espaço expositivo, cujo piso passa a ser recoberto de madeira (sumaúna) quase similar ao cedro com que foram executadas as elipses. Mas algo de secreto persiste na organização deste espaço e na seleção minuciosa . Que o artista retem, guardando para si o sentido conceitual da organização quase ritualística deste espaço assim previsto e realizado.

     

    As mesmas formas elípticas, de três metros de altura, contudo, deslocadas para o espaço aberto, na Universidade Cruzeiro do Sul, em bronze, nos passam outra leitura, em meio ao paisagismo natural. São como iniciação de vocação que se assinala em Lescher para a grande escala pública. Deixa, assim, de se comprazer com o estudo de formas de pequena dimensão – como maquetes para realização posterior -  em sua relação com o espaço, estudo que agora deixa de ser fechado, circunscrito, para se abrir em proposta maior para o meio-ambiente.

     

    Lescher pode ser visto também como um transfigurador de objetos, de peças. Como ao reproduzir como um objeto inútil em madeira polida os discos do arado em repouso. Ou ao inserir em uma serie contínua de bastões de ipê de corte quadrado cilindros de impecavel porcelana branca brilhante, como um tapete ou escada rolante horizontal e imóvel, acoplamento já antecipado pela grande peça exposta em 2001 no Memorial da América Latina, o “O x O” – A Roda - . Ou em outra peça, os mesmos bastões de secção quadrada, lado a lado, exibem cada um em seu extremo um grande cilindro, um de granito negro, outro de porcelana igualmente alva em seu brilho : ambos bastões como a apelarem para nosso toque, o tato, que suas superfícies atraem.

    Ou seja: a secção quadrada versus  secção circular dos cilindros de porcelana. Sempre um principio geométrico pensado como contraponto, antinomia ou complementariedade.Afinal, o quadrado contem o círculo ou o circulo pode conter o quadrado. E a divergencia dos materiais - no caso madeira versus porcelana – o natural versus o industrializado, vem acirrar essa conversação entre materiais e formas.

     

    A vinculação com a arquitetura transparece igualmente na organização do seu espaço expositivo, seja quando expõe numa Bienal de São Paulo – como nesta 25ª edição, em 2002 – calculando a inserção de suas peças no contexto espacial, na previsão das interferencias possiveis entre as obras paralelas à sua; ou, na seleção dos materiais, no caso, o piso, a coloração das madeiras, a relação de distancia entre uma peça e outra, a disposição de natureza realmente museográfica – espaço, luz -  que o artista-autor realiza para montar uma exposição.

    Aqui surge o artista que não é arquiteto mas se comporta como se o fôra, assim como na espacialidade da natureza  domada pelo paisagismo,  no projeto de esculturas para o Parque da Universidade Cruzeiro do Sul, em Anália Franco, no Tatuapé.

    Acredito que esta publicação póde comunicar ao observador a dimensão deste criador, atento  a seu espaço, e ao mesmotempo quase precioso na preservação do rigor de execução de cada proposta que desenvolve.

     

     

    Aracy Amaral

    Abril 2002

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